Xô, Dilma & lei pra Lula

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Só com Dilma fora e Lula dentro da lei Brasil será salvo da crise e do caos.

 

Xô, Dilma & lei pra Lula

José Nêumanne

Com ela no poder e ele impune, a vaca afundará na lama

 

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Fora Dilma! Nunca antes na História deste País foi tão fácil resolver com uma só penada e com efeito imediato uma crise política, econômica, moral e de vergonha na cara. Acabamos de saber que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil caiu 3,8% em 2015. Pela primeira vez em muito tempo, o índice de desemprego e a popularidade da presidente Dilma Rousseff rondam os 10% em movimentos inversos: o primeiro sobe e o segundo cai em proporções similares, que podem ser definidas por advérbios de modos: consistentemente, perigosamente, coerentemente.

O real se desvaloriza ante o dólar á medida que a ocupante do posto com maior poder no Brasil se mostra cega às evidências dos próprios erros e surda aos clamores da rua, mostrando-se capaz de ouvir apenas os berros cada vez menos volumosos, mas permanentemente mais furiosos, dos militantes dos partidos que lhe dão sustentação. E a moeda nacional, desamparada por um Banco Central absolutamente submetido ao poder republicano central, só reage nos mercados de valores quando vêm a lume evidências, ainda que frágeis e esporádicas, de enfraquecimento desse poder.

capaneumanneO desemprego cresce, porque as empresas estão fechando as portas numa avalanche de pedidos de concordata e falência inéditos. A popularidade da chefe do governo desaba ladeiro abaixo e sem freios. E qualquer brasileiro de posse de suas faculdades mentais sabe por que isso acontece. A redução da atividade no setor de serviços reflete a brutal queda da renda familiar. E ninguém precisa ser financista nem contador para saber que 100 mil negócios comerciais que deixaram de funcionar em 2015 não refletem o tamanho da crise no setor, pois no Brasil fechar um negócio qualquer sempre fica absurdamente caro. Só por isso, muitos comerciantes abrem e fecham suas portas de aço diariamente com cada vez menos funcionários e vendendo cada vez menos produtos de um estoque que se reduz e se deprecia porque não têm como bancar o encerramento de suas atividades negociais.

É grave a crise


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O diagnóstico é comum a todos os brasileiros sensatos, sejam empregados ou empregadores, agentes da produção ou servidores do Estado. Todos reconhecem na política econômica errática, arrogante, autoritária e mercurial do governo federal a causa óbvia da catástrofe generalizada. O ano de 2016 se inicia com a previsão comum de qualquer brasileiro minimamente informado de que nunca em tempo algum se viu um empobrecimento tão absurdo: R$ 1,3 trilhão num par de anos.

Em 2015, só se salvaram na economia brasileira a banca financeira e o agronegócio. Este é um caso único de milagre brasileiro. Sua capacidade tecnológica, sua competência gerencial e sua tradição comercial conseguem superar todas as agruras econômicas do País e produzir resultados favoráveis. Nada abate o agronegócio: as invasões das propriedades rurais pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as intempéries climáticas, a queda assustadora das commodities no mercado internacional e o desamparo de um governo incompetente, insensível e desgovernado não o abalam a ponto de tirar de seu desempenho o selo da qualidade e os balanços favoráveis.

Até 2015, as instituições financeiras prosperavam apesar da crise. Os dois maiores bancos privados do País publicaram balanços com recordes extraordinários de lucros, aparentemente desmentindo o discurso de um de seus representantes, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, na reunião do tal Conselhão convocado por Dilma, de que todos, inclusive o setor dele, sofrem com os efeitos deletérios da confusão econômica. Mas não há um só economista confiável que não esteja aí a advertir para uma inevitável guinada nessa bonança contábil. O aumento da inadimplência reduz o bom humor dos gerentes autorizados a dar créditos a clientes que também receiam se endividar por não saberem se antes de vencer a primeira prestação ainda terão renda para pagá-la. Nenhum brasileiro, por mais sonhador ou imprudente que seja, se dispõe a tomar crédito sem saber se sua empresa continuará funcionando ou se a firma onde trabalha terá condições de pagar seu salário na semana seguinte.

Xô, Dilma!

Deste risco não escapa nem a mais poderosa de todos, a própria Dilma. A diferença crucial dela para os outros é que, enquanto cada um destes, ao perder o emprego, leva para casa mais um pedaço de desesperança coletiva, o que resta de força e desumanidade no temperamento alienado nela faz da perda de seu emprego a única nesga de esperança, a luz no fim do túnel, para que a situação, se não melhorar, pelo menos pare de piorar. Dilma no poder é uma bomba relógio que explode a cada segundo. A única forma de evitar a sequência de explosões que continuam a implodir o País é tirar de suas mãos a caixa infinita de fósforos com os quais acende o estopim da bomba.

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Não se trata de panaceia, de receita miraculosa. É a constatação óbvia da realidade. Cada vez mais menos gente no Brasil e no mundo acredita, não apenas na palavra de Dilma, mas, sobretudo, na sua capacidade de encontrar uma solução qualquer, corriqueira ou mágica, para a péssima situação em que sua incompetência gerencial, a falta de percepção de sua escassa inteligência e seu temperamento impróprio para o convívio nos meteram. Tirar o estopim de suas mãos treinadas na clandestinidade na guerra suja contra o regime militar é missão urgente sem a qual não há salvação. Da mesma forma que o mercado mobiliário, os empresários desiludidos, os trabalhadores que estão perdendo suas ocupações, as pobres mulheres que parirão filhos com microcefalia, os negociantes que não têm mais clientes e os brasileiros que não têm pixulecos nem acarajés a receber do propinoduto das estatais sentirão enorme alívio quando souberem que ela tiver vazado.

Este texto não contém programa partidário nem quer convencer ninguém. Sua intenção é apontar para o óbvio. A retirada de Dilma do poder produzirá o efeito imediato do alívio e junto com ele virão a credibilidade e a confiança. É simples assim. Para que isso seja provado, contudo, há imensas dificuldades. Antes mesmo de concordar que não há como saber se o que está escrito aqui ocorrerá, é preciso ter honestidade intelectual para apontar a enorme dificuldade para que a proposta seja sequer iniciada. Ela depende de renúncia, impeachment ou cassação da presidente para que se comprove que sua saída produzirá o efeito favorável desejado.

Golpe, nunca mais!

Grande maioria de brasileiros não abre mais mão do fortalecimento das instituições democráticas

Para começo de conversa, é preciso deixar estabelecido o princípio civilizatório de que qualquer ruptura institucional seja indesejável. Golpe, intervenção militar ou pronunciamento, ao clássico estilo das republiquetas de bananas, inclusive na História do Brasil, não são viáveis nem produzirão o resultado com o qual o autor destas linhas conta com a saída voluntária ou institucional da responsável por todos os malefícios da atual situação. Do golpe militar que pôs fim ao Império em 1889 resultou uma República ilegítima que, embora tenha produzido uma prosperidade econômica espetacular, serviu de criadouro dos piores hábitos políticos da democracia disforme e nada funcional a que nos submetemos até hoje.

Conquistas pontuais – como o sufrágio universal, inclusive absorvendo o eleitorado feminino, a cédula única, depois substituída pela urna eletrônica, e a ascensão do povo ao poder – não compensaram os vícios resultantes da divisão do território em capitanias hereditárias e do coronelismo que se perpetua. De Deodoro a Dilma a democracia brasileira nunca deixou de ser meramente eleitoral e, ao que tudo indica, nunca deixará de sê-lo. Os chefes dos partidos, inclusive os que se dizem dos trabalhadores, são senhores feudais de facções que apresentam seus pretendentes ao poder monárquico da Presidência – e quem quiser que escolha entre um prócer indicado de cima para baixo e outro sem participar da escolha dos candidatos a mandatos fixos, agora com reeleição, nos quais mandam e desmandam como lhes apraz.

Os sábios republicanos que criaram este sistema iníquo, como de hábito ocorrem nos países colonizados, fingiram que copiaram a Constituição dos Pais Fundadores da Revolução Americana sem, contudo, abandonarem os hábitos e costumes do Império tropical. Qualquer um que acompanhe agora a escolha do sucessor de Barack Obama no Salão Oval da Casa Branca observa com estranheza as primárias dos democratas e republicanos, porque saíram do voto de cabresto da Velha República para o sufrágio eletrônico da múltipla escolha numa data só, de quadriênio em quadriênio. A perpetuação do assistencialismo demagógico na continuidade de algumas práticas coronelistas da Bolsa Família, a violência das militâncias falsamente ideológicas nas ruas e a obrigação de conviver pela eternidade de dois mandatos com um governo que desemprega, mata de fome e deixa o povo sem comer, ao contrário do Carcará, de João do Vale, feito sucesso na voz de Maria Bethânia, são evidências malsãs da vitória de Pirro da traição do marechal senil e adoentado que substituiu o imperador bonachão.

Positivismo & baionetas

O positivismo dos republicanos bem intencionados foi espetado na baioneta de Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca e no autoritarismo de Artur Bernardes, o mineiro que instituiu o dístico que deveria substituir na Bandeira Nacional a sentença inspirada em Auguste Comte. Que “Ordem e progresso”, que nada! O que vale no Brasil desde sempre é “aos amigos, tudo; aos inimigos, o rigor da lei”.

Washington Luiz foi deposto por um pronunciamento militar chefiado por um civil que tinha sido seu ministro da Fazenda. O projeto modernizador dos tenentes resultou numa versão cabocla do fascismo de Benito Mussolini sob a égide de Getúlio Vargas, tratado depois como “pai dos pobres”. Este, tido por Dilma como frequente vítima de golpes, de fato venceu dois, ao ficar como presidente provisório em 1930 e ao ser eleito indiretamente em 1934, e ao se beneficiar de um autogolpe, em 1937. Mas só depois seria deposto duas vezes: primeiro pelo vento democratizante vindo da Europa ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando seu antigo anspeçada Eurico Dutra pôs fim ao Estado Novo para presidir a República liberal, sob a Constituição udenista de 1946. Depois, saiu “da vida para entrar na História”, metendo uma bala no coração para evitar a segunda derrubada agora sob as baionetas da Aeronáutica, cujo líder, Eduardo Gomes, havia perdido nas urnas para o traíra Dutra e para ele próprio.

Os militares que derrubaram o governo democrático e populista do caudilho depois apeariam do poder seu delfim estancieiro, Jango Goulart, acusando-o de conspirar contra a democracia para instalar um regime de inspiração sindicalista no Brasil. O resultado foi semelhante ao do primeiro golpe republicano. A quartelada de 1964, promovida por militares que conspiraram contra tudo o que Getúlio representava, na ditadura ou na democracia, realizou um saneamento econômico. Mas patrocinou o terror e o ódio e esmagou a liberdade, transformando o Estado numa extensão das estrebarias dos regimentos de Infantaria do Exército.

O poder dos torturados

Dilma, que pegou em armas para derrubar a ditadura de direita e por no lugar outra de esquerda, é a primeira representante da geração forjada nas celas da ditadura a assumir o poder. Nessa condição, ela se apega à mentira cretina de que é uma heroína da luta pela reconstrução da democracia civil e atribui a quem pretenda retirá-la do poder a condição de golpista.

Como diria Jack, o Estripador, vamos por partes. Antes de tudo, seu desgoverno alucinado e descerebrado pegou carona no maior assalto aos cofres públicos da história da humanidade, iniciado na gestão de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. A posse deste em 2003 foi saudada como manifestação de vigor da democracia brasileira, com a chegada de um operário braçal ao maior dos poderes republicanos. Foi mesmo. Mas não foi só isso.

rev4Em 1980, o Partido dos Trabalhadores (PT) foi fundado, não em associações sindicais, mas em dependências da Igreja Católica. Três grandes correntes fizeram isso. Os locais das reuniões inaugurais denunciavam a primeira delas: as pastorais progressistas. Os ideólogos eram remanescentes da guerra suja da extrema esquerda armada contra a ditadura tecnocrático-militar, que ruiria sobre os próprios pés de barro. E o charme obreiro que se tornou seu símbolo foi dado pela presença de sindicalistas ditos autênticos que, no ABC paulista, desafiavam pelegos do getulismo e comunistas de Prestes. Seu ícone era o ex-carregador de lavanderia e ex-torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva, Lula. Apesar de este me ter negado autoridade para escrever o livro O que sei de Lula (Topbooks, Rio, 2011) negando me conhecer, mantive contato com ele desde meados de 1975, quando assumiu a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (hoje do ABC). Conheci-o a ponto de saber que nunca foi comunista, socialista (nem fabiano, como seu conselheiro Delfim Netto), nem mesmo esquerdista. Sempre foi um cara que queria se dar bem na vida. E, como se deu, pode ser definido como um “self made man”. Não deveria ser definido por militância política, mas apenas como um oportunista. Muito bem-sucedido, é claro. Mas um oportunista. Como defini no livro citado, um Macunaíma, o herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade. A definição pegou, a ponto de ser repetida a torto e a direito por intelectuais adversários dele – e, ao que tudo indica, tão oportunistas como ele.

Ei, isto é um assalto!

Retórica populista é só pretexto. O poder só interessa por possibilitar o furto do dinheiro público

A direita, que o detesta por motivos óbvios, mas nem assim razoáveis, atribui a Lula e ao PT o condão de tentar implantar no Brasil o bolivarianismo de seu amigo venezuelano Hugo Chávez. Da mesma forma como rotula seus asseclas Zé Dirceu, Dilma Rousseff, Antonio Palocci e Franklin Martins de comunistas. Trata-se de crassa ignorância histórica. O Partido Comunista Brasileiro, que nunca apoiou a luta armada que essa gente empreendia, sempre manteve distância do socialismo de resultados dos petralhas, feliz junção da sigla de seu partido com os Irmãos Metralha, de Walt Disney, da lavra do colega Reinaldo Azevedo. Há uma ilusão bastante disseminada entre os adversários do PT de que um tal Foro de São Paulo, patrocinado por Fidel Castro, Chávez, Lula e seus companheiros, inspira a prática política e a ação governista dos petistas.

Não é à toa que os direitistas nostálgicos da ditadura de 1964 apanharam sucessivas surras eleitorais dos padres de passeata e freiras de minissaia de Nélson Rodrigues, dos grupelhos de pequeno-burgueses que brincavam de revolução proletária, muitas vezes à custa da própria vida, a bem da justiça e da verdade, e dos sindicalistas de ocasião. A direita saudosa não consegue enxergar um palmo além de seus narizinhos arrebitados.

A retórica populista do lulopetismo é conversa pra boi dormir. O projeto de poder do grupo que foi empossado no alto comando federal em 2003, depois de várias experiências municipais e estaduais, conforme está largamente provado pelos casos Bancoop, Celso Daniel, Mensalão e Petrolão, que, na verdade, são um escândalo só, não passa por nada que possa ser definido como socialismo fabiano, social democracia, comunismo, marxismo-leninismo, stalinismo, troskismo, maoísmo, castrismo, bolivarianismo, peronismo, sandinismo ou coisa qualquer que os valha. A leitura do noticiário da execução de Celso Daniel, da entrevista que o ex-comandante militar do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick no Rio, o guerrilheiro Paulo de Tarso Venceslau, deu ao repórter Luiz Maklouf de Carvalho, que ocupou inéditas seis páginas do Jornal da Tarde e dos autos da condenação dos altos dirigentes petistas na Ação Penal (AP, que, aliás lembra a velha Ação Popular de guerra) 470 e dos fatos devassados pela Operação Lava Jato, mostra que se tratou sempre, desde o começo, em todos os lugares, de um assalto. Um mero roubo, comparável com o furto do cofre de Ana Capriglione, a amante que Adhemar de Barros chamava de “Dr. Rui”, com o assalto ao trem pagador comandado por Tião Medonho ou com o ao Banco Central em Fortaleza.

A retórica bolivariana apenas serviu de pretexto para dar um tom político ao roubo de bilhões do Erário. E para garantir a permanência em postos de comando que possibilitassem roubar sem ser preso e apenado. Fernando Gabeira, como Dirceu e Dilma um ex-guerrilheiro, definiu, de forma definitiva e lúcida, a prática: roubar para ganhar. Entenda o leitor o verbo ganhar em seus dois sentidos – ganhar eleições para ficar no poder e ganhar muitos pixulecos para enriquecer. Se houve algum projeto de poder ao longo destes 13 anos, foi um mero plano de roubo. De matar de inveja o ladrão de casaca na Riviera e gente que ficou rica administrando cofres públicos, caso dos notórios Moisés Lupion, Haroldo Leon Peres e tantos outros que fizeram fortuna e fama explorando a boa fé alheia.

rev6Os idiotas da direita – e não são poucos os idiotas na direita – pensam que o que aproxima essa turma do assalto à Petrobrás, ao BNDES e aos fundos de pensão de Fidel Castro é a saga romântica de Sierra Maestra ou o charme de Che Guevara. Permita-me parar para gargalhar. O que aproxima essa gente investigada pela Polícia Federal (PF), pelo Ministério Público Federal (MPF) e por Sérgio Moro de comunistas como os irmãos Castro e José Eduardo Santos não são os compêndios de marxismo nem os ideais da Teologia da Libertação. Mas o amor em comum à fortuna fácil e ao conforto que o luxo traz. Cristina Santos, filha do ditador angolano que se reelege permanentemente mercê da criatividade de marqueteiros treinados no Brasil pelo PT, é a mulher mais rica da África. E a fortuna amealhada por Fidel e Raul é bastante volumosa, embora não possa ser comparada às de seus prosélitos brasileiros.

Oposição incompetente

O único argumento aceitável a ser dado pela oposição brasileira, de direita, centro ou esquerda, para justificar sua incapacidade de enxergar o óbvio e ouvi-lo ulular é que em sua ancestral prática de furtar o povo nunca alcançaram a eficiência nem o sucesso contábil obtido na prática da corrupção por seus adversários da esquerda. Não apenas o PT, mas também PMDB, PCdoB, PDT e toda essa miríade de oportunistas que se reúnem para pilhar sob a égide do oportunista-chefe.

Fique, então, claro que golpe contra instituições não é desejável, não só porque intervenções ferem de morte instituições que a quase totalidade, do povo brasileiro prefere que se mantenham vivas e ativas. Mas também porque seus resultados são sempre nefastos a longo, médio ou curto prazos. Assim foi com a República derrubando o Império, os tenentes afastando de cena as elites rurais da Primeira República, a sucessão de golpes a favor e contra Getúlio e a “gloriosa” de 1964.

Não há golpe à vista por muitos outros motivos além deste. Desafio qualquer leitor desta revista a me apresentar um oficial na ativa (não me venham com velhotes de pijama) que esteja interessado em dissolver a ordem constitucional, como o general Médici dissolveu a comissão técnica da seleção nacional de futebol, treinada por João Sem Medo Saldanha, às vésperas da Copa de 1970, no México. E. caso essa improbabilidade se torne possível, eu só aceitaria que o repto seja considerado consumado se o indigitado passasse por exame por uma junta de psiquiatras. Pois não há mais clima para pronunciamentos militares nem ambiente para intervenções antidemocráticas de qualquer natureza.

Renúncia ou deposição

Excluídas aventuras desventuradas anti-institucionais, resta-nos apreciar renúncia ou deposição nos moldes constitucionais. Proponho um exercício de lógica que inclua o suicídio de Getúlio entre as modalidades de renúncia. Pressionado pela República do Galeão, engolfado numa série de denúncias de corrupção, combatido por oposicionistas talentosos como Carlos Lacerda e Afonso Arinos de Mello Franco, o caudilho renunciou ao poder e à vida ao mesmo tempo. O resultado não deve ser comemorado, pois não teria sentido festejar a morte de alguém, sendo ou não um líder. Mas também não foi de todo trágico. O morto foi substituído por seu vice, Café Filho. E o ministro da Guerra nomeado por Café, marechal Henrique Lott, garantiu com um antigolpe a posse do eleito, Juscelino Kubitschek. A dupla renúncia do caudilho não deixou de ser a realização do que pretendia com seu gesto extremo: os golpistas recolheram-se aos quartéis e o candidato que ele preferia assumiu seu lugar.

Outra renúncia, de fato, foi muito traumática. Eleito com entusiástico apoio popular, Jânio Quadros tentou fechar o Congresso que o incomodava com um autogolpe e teve suas intenções malogradas. Mais uma vez, os militares de direita tentaram interromper o processo democrático, o vice Jango foi forçado a aceitar um parlamentarismo imposto e terminou sendo derrubado.

Só que felizmente hoje não há possibilidade de que algo similar venha a ocorrer com uma eventual renúncia de Dilma. Não se registra nenhum burburinho nos quartéis nem há oposição semelhante à que Jânio conseguiu provocar. A renúncia de Dilma, possibilitando a posse de seu vice, Michel Temer, é impossível, mas por outro motivo: faltam-lhe inteligência, entendimento e desprendimento para o gesto de Getúlio e a popularidade que Jânio tivera na eleição. De qualquer maneira, tal hipótese nãopode ser totalmente afastada, porque a situação política e a crise econômica podem chegar ao ponto de conseguir flexibilizar as escassas inteligência e sensibilidade da chefe do Poder Executivo, levando-a, não ao suicídio, mas à retirada de cena. Afinal, comparado com a avalanche de corrupção nos últimos 13 anos, o histórico “mar de lama” de Vargas no começo dos anos 50 não passava de uma pocinha.

O precedente Collor

Em 1992, o presidente não tinha partido nem apoio. Hoje Dilma ainda conta com ambos

Afastadas as hipóteses de renúncia e golpe, resta, então, a deposição. Esta está na ordem do dia por duas vias. A primeira delas é o impeachment. Não há propriamente uma tradição histórica deste método de afastamento de presidentes eleitos pelo povo que burlam a lei na vigência do mandato. Mas há um exemplo próximo em tempo e modelo, o de Fernando Collor de Melo há 24 anos. Este se viu praticamente sem quem o valesse quando foi denunciado pelo irmão, Pedro, na capa da revista Veja , de práticas ilícitas de seu tesoureiro, Paulo César Farias, o PC. Apesar de manobras desesperadas, como a nomeação de um ministério dito ético, acima de suspeita moral, Collor foi deposto em sessão histórica do Congresso Nacional, presidida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Sidnei Sanches.

A democracia tinha sido recém-conquistada. Não havia exemplo anterior e, sem base parlamentar, o primeiro presidente eleito após mais de dois decênios de intervenção autoritária no Poder Executivo caiu e com isso encerrou a chamada “década perdida”, iniciada com a crise do petróleo no penúltimo governo militar.

Como hoje, havia sérias dúvidas sobre sua sucessão, pois o vice, o baiano com história política em Minas Itamar Franco, não era unanimidade nacional. No entanto, foi justamente no mandato-tampão do ex-prefeito de Juiz de Fora, que também seria governador de Minas, foi promovida, sob a égide de um grupo de economistas acadêmicos, sob a batuta do professor Fernando Henrique Cardoso, improvisado no Ministério da Economia, o Plano Real. Este domou a inflação renitente e produziu a maior revolução social no País em todos os tempos. Sob o comando de um governo de união nacional, composto a partir dos partidos que apoiaram a deposição do presidente acusado de corrupção, do qual o PT, que já tinha relutado em assinar a Constituição de 1988 (o que só fez por insistência do líder da resistência ao regime, Ulysses Guimarães), se escusou de fazer parte, foi iniciado e depois prosseguido pelo sociólogo da Universidade de São Paulo (USP) um ciclo virtuoso de prosperidade, formado pelas duas gestões de Fernando Henrique e pelas duas de Luiz Inácio da Silva, que as sucederam.

O exemplo do político interiorano, que era ridicularizado e saiu da Presidência consagrado por sua postura ética e pelo desempenho da economia, mostrou a força das instituições que ainda engatinhavam. E o acerto da substituição do líder voluntarioso e desastrado, que pôs por terra as esperanças de uma sociedade que via nele um “caçador de marajás” e um gestor moderno. A hipótese de o impeachment se repetir agora é, contudo, atrapalhada por diferenças fundamentais.

Impeachment ou cassação?

A primeira delas é que, ao contrário do Collor, Dilma tem forte apoio parlamentar, apesar de este estar se desmanchando ao peso de sua atabalhoada gestão da economia e da completa inaptidão pela política por parte dela. De qualquer maneira, esse apoio no Legislativo se tem mostrado suficiente para tornar improvável a aprovação de seu afastamento por dois terços dos deputados federais. À custa de ocupação da máquina pública no presidencialismo de coalizão vigente, o núcleo de poder no Palácio do Planalto tem mantido a ferro e fogo o voto de um terço na Câmara dos Deputados, apesar do combate feroz e renitente de um ex-aliado que se sentiu abandonado pelos comparsas no poder federal e passou a atuar na linha de frente dos que se dispõem a puxar o tapete da presidente.

Num desses fatos inexplicáveis que marcam a política, parte da força da chefe do Executivo é justamente a insistência com que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha força sua saída. Numa brilhante jogada de marketing, a última que lhe restou, Dilma conseguiu incutir na sociedade a percepção de que o processo a que responde na Câmara deve-se exclusivamente ao desejo desesperado de vingança do deputado fluminense. Mesmo os 60% dos entrevistados das pesquisas de opinião pública que desejam seu impeachment se sentem enfraquecidos na luta para que seu anseio seja atendido pela malquerença generalizada em torno do chefe da Mesa da Câmara, cujo afastamento é apoiado por 76%.

Dilma também tem forte apoio entre acadêmicos, intelectuais e nos meios culturais e artísticos. Esse substrato social nutre a crença de que os governos do PT – que, na prática, imitaram Robin Hood pelo avesso, roubando recursos dos pobres para encher os bolsos de companheiros dos partidos da base governista – resultam da vontade popular e enfrentam a oposição das elites (zelite) capitalistas, fascistas e de direita. E luta com todas as armas retóricas e a pauladas e pedradas nas ruas para manter seus privilégios a qualquer custo.

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O principal pretexto para tanto é o chamado golpismo. Fruto e beneficiária de uma educação falha, Dilma apela para fantasias sem sustentação na vida real e na História, tais como sua luta pela democracia contra a ditadura, apoiando-se nas lembranças de líderes, como Getúlio, que foi ditador fascistoide e presidente eleito populista, para confundir deposição prevista na Constituição com todas as letras com golpe militar. A filósofa que disse detestar a classe média, Marilena Chauí, chegou a  afirmar, em entrevista que resultou em reportagem capa na revista Cult, que o golpe de1964 parecia uma “coisa simples”, comparado com o que acontece. Numa agressão grosseira à História, o badalado historiador Leandro Karnal chegou ao cúmulo de dizer em palestra que “quem lê Veja é fascista”.

rev7cChega de exemplos. Este texto já está contaminado demais de burrice arrogante. Eles apenas servem para mostrar a que ponto pode chegar a empáfia acadêmica quando submetida à servidão ideológica. O certo é que o impeachment de Dilma agora é, como tinha sido o de Collor, legítimo e democrático, porque previsto na Constituição em vigor. Apenas difere nas evidências do apoio que a presidente tem e o ex não teve no Judiciário e na agressividade da militância que a apóia nas ruas.

Lavando propina

Tudo vai mal, mas a Lava Jato comprova que pelo menos ainda podemos contar com a sorte

Outra forma de deposição que não justifica a definição de golpista são as ações contra a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Neste caso, ela tem contado com o apoio tácito de vários juízes/as que nomeou para o colegiado e que têm demonstrado mais subserviência ao poder do que à Pátria. De qualquer maneira, as evidências de que sua vitória nas urnas pode ter sido comprada com propina da Petrobrás e outras estatais a põem de sobreaviso. E neste caso a dicotomia com Eduardo Cunha perde o sentido. Aí, é esperar para saber que providências o Imponderável de Almeida ainda tem para oferecer ao Brasil.

Esta paródia de Nélson Rodrigues (Sobrenatural de Almeida no futebol) para a crônica policial e política tem razão de ser. Basta acompanhar a saga da Operação Lava Jato para contar com ela. Concluído o Mensalão, a Operação Castelo de Areia submergiu nos tribunais superiores ao excesso de recursos, uma jabuticaba bem brasileira, e ao duvidoso comportamento dos juízes dos tribunais superiores, em especial os de terceira instância. Este não foi o caso da Lava Jato até agora graças a uma plêiade de coincidências favoráveis á descoberta da verdade.

Tudo começou na devassa da contabilidade de um posto de gasolina no Planalto Central do Brasil. Poderia haver algo mais improvável do que de uma investigação corriqueira dessas vir à tona o maior escândalo de corrupção da História do Brasil, quiçá do mundo? Pois foi de lá que saiu o Petrolão. Na meada vieram de lambujem BNDES, CARF, o caso Eletronuclear, etc. E, sobretudo, as evidências de que, na verdade, tudo se resumia num escândalo só, que, em homenagem à criatividade do marqueteiro que fundou o “nós contra eles”, que mantém o PT no poder federal desde o início do segundo governo Lula, João Patinhas Santana, o chefe do casal Feira e agora o João Sem Braço da vez, poderemos simplificar chamando de República dos Acarajecas (os jecas que depositam acarajés em cofres de contas sigilosas na Suíça).

São muitas as coincidências nas diversas ocorrências que evitaram que a Lava Jato não repetisse a Castelo de Areia. A primeira delas foi o fato de o doleiro chinfrim de Londrina Alberto Youssef (ninguém ainda reparou que um R e mais um f o separam do sobrenome da Número Um?) ser o Lavador-Mor da República, de Paulo Maluf ao petroleiro Renato Duque.

Muitas outras a completam: a morte do gênio dos processos vitoriosos em tribunais superiores e mago das chicanas Márcio Thomaz Bastos, que acompanhava Lula desde os julgamentos na Justiça Militar à época da ditadura. E a conjunção formada por Sérgio Moro, os jovens, honrados e preparados procuradores e agentes federais lotados em Curitiba no comando da operação que está investigando, denunciando e condenando a fina flor da Quadrilha do Pequi (em homenagem ao delicioso e açucarado licor do fruto da palmeira do Centro-Oeste), encabeçada pelo ex-líder do desgoverno da petista de Dilma Vana, Delcídio (do) Amaral.

A Moro, responsável por brilhantes votos de Rosa Weber no julgamento da AP 470 no STF, especialista renomado internacionalmente pelo conhecimento técnico do crime da lavagem de dinheiro, coube comandar a ação, ao voltar à primeira instância, instalada em Curitiba, capital do Estado do Paraná, onde nasceu, viveu e prosperou o sucedâneo de Toninho Barcelona nas artimanhas da lavagem de dinheiro de empresários e políticos corruptos em paraíso fiscal.

Lei pra Lula

Muita gente teve a sensação de estar vivendo um momento histórico importante ao ver o noticiário da condução coercitiva de Luiz Inácio Lula da Silva para depor na PF. Como este diria, “menas”: a Operação Lava Jato fez história ao apenar empreiteiros, petroleiros e políticos corruptos, muitos deles na cadeia. Outros em vias de. E mais histórica do que a condução coercitiva do padim Lula Romão Batista foi a decisão do STF de autorizar juízes a manterem presos condenados em segunda instância e que recorrem à terceira, à quarta ou aos beneplácitos para privilegiados agraciados pelo Conselho Nacional do Ministério Público, com suas óbvias pretensões à condição de instância intermediária (a quinta?).

Outro avanço civilizatório anterior a este foi o pacto contra a corrupção, do qual o Brasil é signatário e que serviu de inspiração para o aprimoramento do instituto da delação premiada, que deflagrou a Operação Mani Puliti na Itália e ajuda há muito tempo a polícia e a Justiça americana a mandarem para a cadeia delinquentes que tomam muito cuidado em ocultar patrimônio e crimes, mas deixam sempre em aberto os caminhos da devassa fiscal e contábil e da delação dos cúmplices.

Não perderei espaço e seu tempo para argumentar contra o esperneio de advogados grã-finos contra essas conquistas, pois tenho de usá-los para por em dúvida a honra pessoal de Dilma, lembrando os três artigos em que o especialista em combate à corrupção Modesto Carvalhosa denunciou no Estadão a insistência com que Dilma e seus asseclas jurídicos tentam livrar a cara dos empreiteiros amigos e corruptos e demonizar, ou até reduzir, os efeitos da delação premiada.

E guardar o espaço final para reservar uma reprovação indignada ao papel nojento que a oposição congressual tem feito à República dos Acarajecas. A oposição a Dilma e Lula nestes 13 anos tem sido covarde, incompetente e ineficaz. Todos os dissabores que os assaltantes do dinheiro público tiveram neste ínterim foram provocados pela PF, pelo MPF e por alguns juízes honestos, corajosos e competentes, como Moro. O trabalho destes tem chegado à sociedade por alguns lampejos de independência, civismo e coragem de profissionais de comunicação. Nunca oposicionista nenhum subiu a qualquer tribuna no Brasil para denunciar nada de novo.

Ocorre que o “Diário do Judas” (como definiu o colega José Casado em artigo no Globo) – relato circunstanciado feito por Delcídio das traquinagens de Lula, Dilma, Dirceu et caterva faz uma revelação interessante. O Mensalão, que abriu a temporada de caça aos ratos, em nada alterou o mito do teflon que sempre impediu que Lula respondesse pelo crescimento exponencial de seu patrimônio. Um dia antes da condução coercitiva dele, contudo, a revista IstoÉ revelou a delação do ex-líder do desgoverno Dilma no Senado. E nesta há a preciosa informação de que foi feito um acordão com a oposição para poupar o clã Lula da Silva na investigação na CPI dos Correios, que detonou a delação de Roberto Jeferson e, em conseqüência, o Mensalão. Ou seja: a Operação Lava Jato agora tem a obrigação de informar á Nação se a oposição não foi apenas covarde e incompetente, mas também cúmplice, no mínimo leniente.

capaneumanneEste questionamento me leva a abordar o último argumento para manter o poste sem lâmpada plantado no asfalto: quem por no lugar? A resposta é: não importa. Mais relevante do que o combate entre o lobo Cunha e a vovozinha Dilma é a luta definitiva entre a democracia que garante os direitos e o patrimônio de todos, protegidos pela força-tarefa de Curitiba e a permanência dela. A luta também se trava nas ruas. Quem faltar às manifestações do domingo prestigiará Dilma e prejudicará Moro. Quem protestar na rua no domingo 13 estará dando sua contribuição para restaurar no Brasil o princípio basilar da democracia de que todos são iguais perante a lei, inclusive ex-presidentes. Como Lula.

No novo Brasil que bate à porta da História, acompanhando o Japonês da Federal, o lema da República Velha deve ser “para todos, o rigor da lei”. Pois o Estado Democrático de Direito não está aí para tornar ninguém impune.

José Nêumanne é escritor, poeta, jornalista e comentarista de rádio e televisão.

Revista AméricaEconomia / março-2016

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