Vexames da “justiça” de farda

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Galhofa do presidente do STM sobre áudios de ex-ministros comprovando prática de torturas na ditadura fardada repete vergonhosa absolvição do “mau militar” (apud Geisel) Bolsonaro por tal “corte”

A colunista de economia do Globo Miriam Leitão revelou no jornal a existência de áudios contendo revelações de alta relevância histórica em que ministros do Superior Tribunal Militar (STM) se referiam à tortura na ditadura. Na divulgação da revelação, emissoras de rádio e televisão reproduziram contundentes votos de oficiais respeitados por colegas e civis, tais como o general Rodrigo Otávio Jordão Ramos e o almirante Júlio de Sá Bierrembach. Diante de tais evidências tornou-se inadmissível o negacionismo histórico adotado pelos comandos armados do Brasil do reiterado uso de sevícias, algumas das quais culminadas em mortes, para a teórica obtenção de informações no combate do Estado brasileiro aos grupos armados da extrema esquerda nos anos de chumbo.
O general da reserva Hamilton Mourão, que goza sua polpuda aposentadoria de marechal nas dependências do Palácio do Planalto ocupando o gabinete da vice-presidência da República, chegou a fazer troça desrespeitosa com as vítimas e seus parentes e amigos. Com a parca inteligência de que dispõe, não foi capaz de perceber que, ao tentar sepultar as denúncias com anedota, as admitiu como “história”, ou seja, algo verídico e digno de registro. Ocupado em detratar a justiça eleitoral para facilitar a própria reeleição e evitar a do competidor que lhe parece mais palatável (Lula da Silva), o “mau militar” Jair Bolsonaro (como foi definido pelo general Ernesto Geisel em depoimento publicado em livro pela Fundação Getúlio Vargas) calou. Segundo notícias plantadas nos gramados do Palácio da Alvorada, atendeu a recomendação de milicos.
Na certa sem reconhecer a necessária compostura inerente ao seu cargo, o general-de-exército (maior grau na hierarquia da Força) Luís Carlos Gomes Mattos apelou para chacota de fazer corar o reformado Mourão “moderno”. “Garanto que não estragou a Páscoa de ninguém”, disse, na certa, para receber elogios do pater familias Jair Messias ou de seus descendentes adequadamente numerados a partir de zeros à esquerda. O humor estúpido do magistrado fardado, piorado pelo cargo poderoso, muitíssimo bem remunerado e de alta responsabilidade, tem origem na desumana tentativa de desqualificar a honrada profissional de imprensa, autora da relevante notícia exclusiva, feita pelo comandante das Forças Armadas ao manifestar comiseração pela jibóia, usada como instrumento de tortura dela, grávida quando prisioneira dos esbirros da ditadura nos porões da guerra suja.
O informante da jornalista, como diriam os profissionais da dita inteligência da comunidade de informações, mas que jornalistas chamam mais adequadamente de fonte, Carlos Fico, professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entregou-lhe o precioso material como um prêmio por seu corajoso enfrentamento da famiglia em questão. O professor é importante comentarista no documentário revelador sobre o golpe de 1964, dirigido por Camilo Tavares, O Dia que Durou 21 Anos. E só recolheu as provas sonoras da mentira generalizada à qual o País tem sido submetido desde que oficiais, subornados pelos EUA de Kennedy e Johnson, derrubaram João Goulart, vice-presidente eleito e presidente constitucionalmente empossado. Fico teve que travar uma batalha épica para ter acesso às provas e, ao fazê-lo, deu-lhe a devida divulgação.
Dos porões de que se governa a “justiça” fardada é possível escutar hoje vozes autorizadas, lúcidas e sensatas. Este é o caso da ministra Maria Elizabeth Rocha, que não teve temor de dizer a verdade: “a divulgação dos autos evitam que erros cometidos se repitam.” Trata-se, contudo, ao que parece, de uma exceção. Da mesma forma que toleraram por 58 anos a fio, ordens do dia consagrando um golpe de Estado como “momento de maturidade da democracia”, os civis que empunham as marionetes do poder político de nossa república submetida ao temor dos militares não tomaram as providências necessárias para enquadrar na forma das leis e da Carta Magna os portadores de dragonas que as ameaçam.
Não se trata de algo inédito. O jornalista Luiz Maklouf Carvalho publicou, em 2019, primeiro ano do atual desgoverno, pela editora Todavia, O Cadete e o Capitão, A Vida de Jair Bolsonaro no Quartel. Ou seja, “a reportagem definitiva sobre o julgamento que tirou Jair Bolsonaro da carreira militar”, como está registrado na contracapa. O grande repórter paraense relatou em 256 páginas a oitiva que fez de áudios do julgamento no qual o então capitão, acusado de terrorismo, e por isso condenado a 30 anos de prisão em primeira instância, foi absolvido por oito oficiais contra o voto sensato de quatro civis do STM. O feito, similar ao agora empreendido por Fico, foi inesperado e espetacular. O autor da obra ouviu, estarrecido, a maioria, composta por egressos da dita “revolução”, que não passou de um golpe de Estado, a serviço da maior potência militar, política e econômica do mundo, tratar o planejador de atentados a bomba contra quartéis e uma adutora do Guandu como herói da Pátria. E impôs sua substituição no banco dos réus pela repórter Cássia Maria, que noticiou na revista Veja o plano que poderia exterminar inocentes, e a própria imprensa. Desde então, afastado da tropa sem desonra, em cumprimento do acordo feito pelo então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, o já lançado no papel de sindicalista de caserna tem tratado os meios de comunicação como suspeitos de todos os crimes que ele planeja ou realiza na prática desajuizada da política mais suja. No entanto, agora como dantes, poucos, como Fico e Miriam, na universidade, na dita mídia e na política, se atrevem a denunciar os feitos malignos de aproveitadores e as injustiças perpetradas pelos tribunais superiores, em especial quando sob o comando de dragonas e botinas.
*Jornalista, poeta e escritor

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José Nêumanne Pinto

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