O vexame do Congresso, que produziu textos conflitantes autorizando a videoconferência em interrogatórios na justiça criminal, poderá ser relevado se Lula sancionar o melhor e vetar o outro
A notícia da existência de dois textos conflitantes à espera da sanção presidencial sobre o mesmo tema – e um tema de importância capital para a cidadania, a autorização legal para usar videoconferência em depoimentos em processos penais – é, ao mesmo tempo, alvissareira e vergonhosa.
Alvíssaras para deputados e senadores que aprovaram algo que é, ao mesmo tempo, óbvio e salutar. A necessidade da autorização legal para juízes interrogarem acusados sem precisar que estes se desloquem dos lugares onde vivem – celas de prisões – para as salas de audiência nos fóruns criminais é evidente. Não faz sentido manter uma tropa de 2 mil policiais militares fortemente armados e uma frota para escoltar e transportar presos de um lado para outro a pretexto de lhes dar pleno direito de defesa. Pois a videoconferência permite a realização do interrogatório à distância sem os riscos à segurança provocados por tais deslocamentos nem violações das prerrogativas dos acusados, que podem manter contato com seus advogados sem restrições. Ao legislar sobre o assunto autorizando a justiça a se beneficiar da tecnologia de ponta para evitar o perigo provocado por eventuais confrontos das escoltas dos presos transportados para interrogatórios com os asseclas destes, o Congresso dá uma demonstração, que infelizmente não tem sido muito comum (como deveria ser), de também legislar em favor do cidadão representado pelos parlamentares, e não apenas dos interesses de seus membros.
Infelizmente, esta lei de alta relevância foi elaborada de forma irregular, pois no mesmo dia, 17 de dezembro, foram aprovados dois textos conflitantes – um pelo Senado e outro pela Câmara -, ambos encaminhados à sanção presidencial. O episódio resulta da pressa das votações feitas a toque de caixa antes do recesso das festas de fim de ano e demonstra certo descaso pela grave e capital tarefa de deputados e senadores de legislarem para promover o bem comum.
Trata-se, contudo, de um vexame que não produzirá efeitos negativos de monta, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha o cuidado, que os parlamentares não tiverem, de mandar sua assessoria pesar os pós e contras dos dois projetos de lei para vetar um e sancionar apenas o melhor: aquele que de fato atender aos interesses da cidadania e à economia do Estado sem ferir nenhum dos direitos elementares de defesa plena que os réus em processos penais devem gozar num Estado de Direito que se preze. E que o episódio grotesco na história de nossa ainda recente democracia sirva de exemplo a todos os mandatários e servidores nos três Poderes da República para que prestem mais atenção no que fazem. Afinal, todas as leis votadas nos plenários do Congresso produzem efeitos para o bem ou para o mal na vida dos cidadãos e, por isso, merecem atenção redobrada de seus autores. Em especial uma como esta, que trata do mais delicado e relevante dos temas: a vida de todos nós.
© Jornal da Tarde, publicado no Jornal da Tarde, terça-feira 6 de janeiro de 2009, p. 2A