Um gogó a serviço de um cérebro

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Enquanto outros astros do cancioneiro brasileiro se afundam na mesmice e relançam velhos êxitos em roupagem nova (nem tanto!) ou se escondem da inspiração em outras formas da expressão, Raimundo Fagner lança o CD Uma canção no rádio para instigar, provocar, agradar e, ao mesmo tempo, mostrar que um ídolo popular não se equilibra apenas em cordas vocais, mas também em neurônios. Recentemente, ele tinha trazido a lume um poeta maior de suas plagas, ao musicar versos do também cearense Francisco Carvalho, cujo talento supera em muito o desconhecimento de sua obra além de Fortaleza, deixando claro que não se pode medir mérito literário só pelo reconhecimento. E não faz muito tempo assim que ele gravou um CD em total parceria com um colega compositor e intérprete, o maranhense Zeca Baleiro, mostrando que estilos singulares podem bem se compor bem ao se complementarem.
A safra 2009 da cepa de Fagner faz ressurgir a mesma parceria em verso, melodia e voz na faixa que dá título e nobreza ao disco. Esta pode ser definida sem favor nenhum como antológica, juntando-se ao que há de mais precioso e especial na história de nosso cancioneiro amoroso: Uma canção no rádio (filme antigo) destaca-se pelo brilho e pela simplicidade, provando que uma coisa tem tudo a ver com a outra. “Penso, rio, sofro, choro, deixo a vida pra depois”; “tenho um coração raso de razão” ou “que o céu me roube a luz, mas me reste a voz na noite calada” são versos que atingem o ápice da qualidade no topo da lírica brasileira. Não se pense, contudo, que o novo CD de Fagner se limita a este ponto culminante, pois, na verdade, não se trata de uma obra de altos e baixos, mas, ao contrário, de uma produção que prova que compensa um gogó de ouro recorrer a um cérebro de igual estofo.
O mesmo Fagner que mostrou ao público que lhe pede bis intermináveis para Noturno e Canteiros com quantos acordes se canta a Espanha de Rafael Alberti e que pôs o biscoito fino de Ferreira Gullar à mesa da plebe agora traz de seu garimpo particular de artistas desconhecidos prontos para a fama mais um que tem tudo para ocupar lugar de destaque na indústria fonográfica brasileira – hoje anêmica em talentos promissores. Oliveira do Ceará, humilde servente que assina três faixas no CD do astro, aborda numa delas, Martelo (parceria com Adamar e Gabriel o Pensador, que participa da gravação), a indignação e a estupefação da Nação inteira pelo contexto em que todos nós – do palco e da platéia – estamos inseridos.
O regional nordestino, é claro, faz-se presente na sapeca Flor do Mamulengo, de Luiz Fidélis (“me apaixonei por um boneco e ele ‘neco’ de se apaixonar”), e, sobretudo, em Me dá meu coração, clássico do pernambucano Accioly Neto, cuja obra mais uma vez ressuscita na voz do “almuadem” (cantor de orações no Islã) de Orós. Desta vez com o auxílio luxuoso da sonoridade de Clemente Magalhães, Leo Fernandes, Cláudio Bezz, Alexandre Prol e Rick de La Torre, do Núcleo Criativo Corredor 5: estes meninos do Rio contribuem de forma decisiva para a unidade, a qualidade e a novidade do som do CD de Fagner.

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José Nêumanne Pinto

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