Presidente, que se acha economista, manda e desmanda. Levi, que o é, pensa que tem a força
Dilma Rousseff não sabe o que perdeu deixando de ir ao Fórum Econômico Mundial, em Davos. Pois, não indo, não teve a chance de ouvir o primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, pedir aos governantes coragem para mudar, para reformar. “Há uma janela e um período de oportunidade excepcional e o papel dos políticos é atender o momento, carpe diem, em que podemos escolher o futuro”, disse ele. Ela preferiu comparecer à posse do cocalero Evo Morales na presidência da Bolívia a aprender com o europeu o óbvio ululante de que para decepar os nós górdios da economia há que antes reduzir os ônus da política.
Nos Andes, ela ouviu o colega vizinho asseverar com franqueza: “Na Bolívia, não mandam os ‘Chicago boys’”. Enquanto isso, nos Alpes, um “Chicago boy” da melhor estirpe, o ministro da Fazenda dela, Joaquim Levy, vulgo “mãos de tesoura”, encantou o chamado mercado neocapitalista mundial por sua coragem de dar notícias ruins aos cidadãos brasileiros, mal eles foram expulsos da Disneylândia eleitoral dos petralhas. Enquanto o subordinado gozava seus cinco minutos (talvez de dois a três anos) de poder e glória, a chefe saboreava sua volta à segurança da clandestinidade. Depois de um ano inteiro prometendo ao Zé Mané mundos e fundos para arrebanhar votos, sob os auspícios do marqueteiro João Santana (o poeta Patinhas do Bendegó), nada como fugir para um lugar onde não tinha de explicar que era tudo “mentirinha de marketing”. Sem deixar de aplicar os beliscões de praxe para mostrar quem manda.
Levy é economista e pensa que tem a força. Dilma, que se acha economista, é que manda e desmanda. Manda quem pode, quem tem juízo obedece. No palanque, ela jurou que devolveria os excessos inflacionários tungados do contribuinte no Imposto de Renda. À sombra e água fresca do palácio, vetou a correção de 6,5% para facilitar a tarefa de tirar R$ 20 bilhões desviados da Petrobrás para partidos, incluindo o dela, do bolso do cidadão que, sem padrinho, morre pagão.
Em Davos, Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), encheu a bola do ministro brasileiro apoiando suas “medidas impopulares”. Fê-lo antes de Dilma, que só aprovou o subordinado em público na reunião ministerial de ontem. Com isso, o Partido dos Trabalhadores (PT) teve tempo para imitar o “multipresidente” Ulysses Guimarães, que dava as cartas no governo Sarney enquanto liderava a oposição. A candidata jurou de pés juntos que não daria cabo de nenhuma conquista dos trabalhadores. A presidente repetente mandou escrúpulos e promessas às favas, dificultando o acesso ao seguro-desemprego, quando há indícios de risco para o emprego.
Alérgica à política, jejuna em contabilidade e avessa a economizar, a presidente não deu explicações satisfatórias da traição à classe operária. Mas seus áulicos tentaram minimizar os efeitos deletérios da falseta assegurando que as conquistas dos trabalhadores não foram afetadas porque a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não foi alterada. Falácia cínica! A CLT não é uma “conquista dos trabalhadores”, mas uma concessão do ditador Getúlio Vargas ao operariado para manipulá-lo a seu bel-prazer utilizando pelegos. Encarregado de consertar a lambança, Levy tentou dar sua contribuição teórica à tentativa de logro dela, assegurando: “O seguro-desemprego é um benefício ultrapassado”. Será? Pode até ser, mas isso nada tem que ver com a tunga. E, além de também ser outra falácia cínica, permitiu que ela lhe mostrasse que elogios de Lagarde não bastam para garanti-lo no cargo.
Só agora ela saiu da clandestinidade, mas ficou no palácio, para dizer a seus 39 ministros que teve de permitir a um auxiliar egresso da oposição que corte gastos com dor para manter seus programas sociais. Mas nunca pediu desculpas ao cidadão que votou nela e paga a conta pelo óbvio malogro.
Joaquim Levy era da segunda divisão da assessoria econômica do tucano Aécio Neves, derrotado por ela na eleição. O chefe dessa assessoria, Armínio Fraga, fez eco a Lagarde ao dizer que o ex-companheiro é “uma ilha no mar de mediocridade” que é o segundo governo Dilma. Se verdadeira, a afirmação traz uma boa e uma má notícia. A boa é que, como o governo anterior foi o pior de todos os tempos, dificilmente o atual terá como superá-lo em mediocridade. A ruim é que é mais provável que piore, sim!
O ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão, por exemplo, nunca condicionou à duvidosa brasilidade de Deus a chuva no sertão que virou país. Ou terá sido este país que virou sertão, eis a questão. Pelo visto, Lobão foi à aula de Geografia em que foi ensinado que Nordeste é Brasil e em muitos anos não chove no semiárido, apesar das súplicas dos sertanejos a São José, que criou o filho do Próprio. O devoto amazonense Eduardo Braga, que espera a interferência divina para pôr fim à “crise hídrica”, foi substituído na tarefa de pedir à população que aguente a falta de luz e água com resignação, e que devia caber a Dilma, pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ainda mais insignificante do que ele.
Nossa presidente não foi a Paris repudiar o terror nem consolou os pais de Alex Schomaker, morto por bandidos no Rio. Mas criou uma crise diplomática porque a Indonésia fuzilou o traficante Marco Archer. Ressuscitou os lemas fascistoides “alma coletiva” e “pátria educadora”, mas cortou R$ 7 bilhões no orçamento da Educação quando 500 mil jovens tiraram zero na redação do Enem, acesso a um ensino superior cada dia mais inferior.
Ela falha e não se manca; e quanto mais erra, mais desmandos pratica. Reuniu o Ministério para desejar um feliz “dois mil e cinzas” negando o que prometeu e prometendo mais do mesmo sem oferecer garantias de que o fará. Devia aprender com Churchill, morto há 50 anos, que a dar só tem “sede, suor e trevas”. Foi o que Renzi ensinou na Suíça.
Jornalista, poeta e escritor
(Publicado na Pag. A2 do Estado de S. Paulo na quarta-feira 28 de janeiro de 2015)