O bate-boca entre os gestores públicos da União e do Estado de S. Paulo sobre o uso de tropas para impedir os atentados do Primeiro Comando da Capital (PCC) em território paulista é uma crua prova da insensibilidade, leviandade, irresponsabilidade e até crueldade com que as autoridades tratam a população no Brasil. Num instante em que os paulistas passaram a viver em pânico por culpa dos atentados terroristas dos membros de uma facção criminosa brutal e eficiente, preferem brincar com fogo, deixando de tratar da essência do drama para atirar farpas e tirar lasquinhas uma da outra, tentando levar vantagem nas urnas.
Pensar que se pode repetir na maior cidade do País a experiência do Rio de Janeiro com a ocupação de favelas dominadas pelas quadrilhas de traficantes é uma tolice. Pois em São Paulo não há morros a subir, mas uma imensa malha urbana esparramada sobre as várzeas de dois rios, onde os jovens recrutas desempenhariam o papel de “patinhos de parques de diversão”, na metáfora irreverente, mas exata, de um militar. Sem querer brincar com coisa séria, como esses senhores fazem, a soldadesca ficaria feito barata tonta e servindo de “táubua de tiro ao Álvaro”, como diz a letra do samba de Adoniram Barbosa cantado por Elis Regina.
O secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, promotor Saulo de Castro Abreu Filho, é jovem para entender o alcance histórico de dois episódios – um da História Geral do século 20 e outro do folclore da imprensa brasileira. Mas seu adversário neste combate de Brancaleones, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, com larga folha corrida de serviços prestados a presos políticos processados pela justiça de exceção da ditadura, tem idade e experiência suficientes para entendê-los.
O então presidente dos EUA, Harry Truman, narrou, numa palestra em 1948, segundo registrou o New York Times, um episódio pitoresco ocorrido na Conferência de Potsdam, na qual os líderes aliados, no fim da Segunda Guerra Mundial, discutiram a partilha da Alemanha e da Europa Oriental entre os vencedores. O primeiro-ministro britânico Winston Churchill argumentou que o Papa Pio 12 usaria todo o seu prestígio internacional para tentar evitar a entrega da Polônia, nação tradicionalmente católica, ao domínio dos comunistas, materialistas por convicção e, portanto, anticlericais notórios. “Sr. Churchill, sr. Primeiro-Ministro, quantas divisões o senhor disse mesmo que o Papa tinha?”, perguntou o ditador soviético Josef Stálin.
Consta também que, na madrugada de 1º de abril de 1964, o dono do Diário de Notícias, do Rio, João Dantas, telefonou para a redação de seu jornal e perguntou ao sonolento plantonista que novidades havia. Este, pressuroso, respondeu: “Tudo sob controle, chefe”. E o patrão retrucou: “Tudo sob controle uma ova! As tropas estão nas ruas e o senhor também”.
Melhor seria se um estadista não fizesse história apenas pelas divisões que comandou nem se usassem tanques para impor a lei num Estado de Direito como o nosso.
© revista Five, de agosto de 2006