Em vez de desenterrar os ossos do passado, o ministro da Justiça está convidado a liderar uma cruzada contra os torturadores que ainda atuam nas delegacias de polícia e nas prisões
O ministro da Justiça, Tarso Genro, tem toda razão quando diz que tortura não é um crime qualificado como político em nenhuma democracia do mundo. Não é mesmo. Nem poderia ser. Mas é também um abuso de linguagem considerá-lo um delito “comum”. É, ao contrário, incomum, hediondo, e merece dura punição para que seja abolido, não da história, por ser impossível, mas da prática penal num país que se pretende democrático.
A reabertura da discussão sobre essas terríveis práticas cometidas pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar recente, contudo, só poderia ocorrer num âmbito em que se fosse permitido também admitir que sejam punidos os inimigos da ditadura que a combateram com armas na mão. E que também ultrapassaram as fronteiras legais aceitáveis num Estado de direito.
A anistia não foi reclamada pelos esbirros do regime autoritário para se verem livre de uma punição que não estava à vista de nenhum brasileiro de posse de suas faculdades mentais naqueles anos de mobilização civil pelo fim do arbítrio na vida política nacional. Foram as oposições ao governo autoritário, que, à época, ocupavam um amplo espectro ideológico, indo de democratas liberais até extremistas de esquerda, que a reclamaram. E todos foram contemplados pelo perdão dado de cima para baixo sem a abertura de processos regulares, pois o consenso geral à época era o de que não havia clima para retaliações de quaisquer das partes, sendo preferível “pôr uma pedra sobre o assunto”, para usar expressão que entrou na moda desde aquela época. Era aquele um tempo de melindres e delicadezas para evitar o pior.
Hoje os tempos são outros, dirá o dr. Tarso. Mas nem tanto assim. Tal meia-verdade parte do pressuposto de que seriam políticos crimes como o fuzilamento do recruta Mário Kozel Filho, executado por estar de sentinela no portão do quartel, ou o furto do cofre de Ana Caprioli, no qual estariam guardados bens do ex-governador Adhemar de Barros. Isso sem falar nos inúmeros inocentes sacrificados nos entreveros de uma guerra suja, sem trincheiras e que terminou sem Tribunal de Nurembergue para lado nenhum.
A proposta do ministro só seria honesta se permitisse o julgamento dos crimes cometidos pelos que se postavam a seu lado e estão longe de poder ser chamados de mártires da democracia, pois combatiam uma ditadura militar de direita para instalar no lugar uma ditadura de aparatchiks da esquerda.
Tendo em vista o cargo que ocupa, Sua Excelência faria melhor para a própria biografia, o governo a que serve e a Nação se se propusesse a pôr fim às torturas nas delegacias de polícia e nos estabelecimentos prisionais no País, alguns dos quais sob sua jurisdição. Afinal de contas, os pobres não sabem o que significa “tortura nunca mais”.
© Jornal da Tarde, quarta-feira, 6 de julho de 2008, p2
Tarso devia cuidar das torturas de hoje
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