Talvez o jeito seja mesclar Chapolim com De Gaulle

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O que pode garantir a supremacia do STF é manter a independência vitalícia dos ministros

Ao longo do ano que terminou anteontem, o de 2012, brilhou a estrela do Supremo Tribunal Federal (STF) no céu da Pátria, acostumada aos brilharecos de marketing do Poder Executivo e aos buracos negros do Legislativo, que, apesar de representar o cidadão, continua de mal com ele, segundo pesquisa do Ibope. Estreante na pesquisa, o órgão máximo da Justiça superou a própria em prestígio – o que é natural, e até óbvio, por que, enquanto a instituição absorve golpes no plexo pela lerdeza e pela parcialidade, citados pelo novo presidente, Joaquim Barbosa, na posse, a Corte maior foi festejada pela publicidade explícita de um julgamento arrasa-quarteirão, o do mensalão.

A discussão em torno de um nome, um voto – do ministro Luiz Fux -, contudo, terminou por abrir, antes das festas de Natal e da virada de ano, uma discussão sobre um flanco, se não aberto, pelo menos mal vigiado, do Supremo, o que não põe em risco sua supremacia, mas em debate sua independência. A indicação dos nomes dos 11 membros do STF por decisão solitária do chefe de outro poder, o presidente da República, poderia levantar suspeitas sobre a  isenção dos indicados, apesar de serem estes sempre submetidos à arguição de uma das casas do Congresso, o Senado? A decisão do Supremo de contrariar duas vezes – ao não adiar o julgamento, que já tardava sete anos, a pretexto da iminência das eleições municipais, e condenar seus companheiros de partido e churrasco – o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deu a primeira resposta negativa (do ponto de vista ético, positiva) à questão. Dos 11 ministros que deram início à maratona, 7 foram indicados por Lula ou por Dilma, sua correligionária do Partido dos Trabalhadores (PT), sua aposta solitária na campanha sucessória e sua ex-chefe da Casa Civil. Como arguir qualquer suspeição se o relator do processo e o responsável pela mediação das votações, o presidente, foram indicados, de fato nomeados, porque nunca o Senado faz qualquer objeção às indicações presidenciais, por petistas de carteirinha?

A fidelidade canina com que o revisor Ricardo Lewandowski e outro ministro, Dias Toffoli, se opuseram aos votos da maioria, são exceções que, longe de negarem a regra geral do modelo traçado pelo colegiado de magistrados, a confirmam. A discussão, tornada pública pelo próprio Luís Fux, em torno de insinuações malévolas a respeito de eventual compromisso previamente assumido por ele de absolver réus petistas no processo também serve menos para fragilizar sua posição de julgador. E mais para condenar quaisquer tentativas de subordinar a decisão de um ministro à gratidão por quem o investiu no cargo. Este é vitalício e, portanto, infenso a quaisquer retaliações de outros poderes e poderosos.

Talvez por pretender defender-se dessas maldades, Sua Excelência deu entrevista a Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, na qual narrou seu périplo por gabinetes importantes na República para obter apoio a sua indicação para o topo da carreira, primeiro pelo ex-presidente Lula, depois pela presidente Dilma. Chegou a ser publicada afirmação atribuída a Lula de que desconfiava de alguém com apoios da direita, Delfim Netto, czar da economia na ditadura, e da esquerda, João Pedro Stedile, chefão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). A afirmação do guru petista é falaciosa, pois os extremos foram procurados pelo fato óbvio de que tinham amplo acesso a seus pavilhões auriculares. Além do mais, pouco tempo depois, ele foi fotografado beijando a mão de outro egresso da ditadura, Paulo Maluf, no jardim de sua mansão, para obter o apoio dele à campanha municipal paulistana do petista Fernando Haddad, como Dilma uma aposta de altíssimo risco que acabou ganhando. A procura de apoio ecumênico às pretensões de alguém no Brasil remonta à época dos “pistolões”, que decidiam desde a nomeação de delegados de polícia no interior até o preenchimento de vagas no ensino superior.

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, informou que Fux lhe dissera que “não havia provas” contra os réus do mensalão e que sua atuação seria “muito clara”. São truísmos que nada elucidam e que lembram a máxima de Chacrinha: “não vim aqui para explicar, mas para confundir”. O próprio Fux já tinha dito antes que se surpreendera com a quantidade de provas e nenhum brasileiro que o viu atuar no julgamento poderia acusá-lo de falta de clareza. Mas não é bem isso de que estamos tratando aqui e, sim, da forma da escolha dos membros do colegiado ao qual são submetidos os julgamentos finais em casos de violação da ordem constitucional. A cândida confissão de Carvalho reforça a sensação de que os figurões federais foram surpreendidos com a aplicação pelos ministros do STF da mistura de frases de Chapolim – “eles não contavam com minha astúcia” – e de Charles de Gaulle – “a maior virtude de um estadista é a ingratidão”. O PT, habituado a subordinar tudo – do Banco do Brasil ao Tribunal de Contas da União (TCU) – dava como favas contadas o aparelhamento do topo do Judiciário pela força da gravidade. E quebrou a cara.

Agora tenta desqualificar o Supremo levantando suspeitas sobre a campanha pela indicação que os eventuais candidatos à boa vaga fazem. Trata-se de uma ignomínia! Não há alternativas à vista: indicação pelo Congresso? É brincadeira! O Senado nem dá conta da sabatina, vai dar conta da indicação? Além do mais, o Congresso nomeia os membros do TCU. Recentemente, indicou Ana Arraes e o sobrenome ilustre não a impediu de tentar ajudar a companheirada considerando lícitas manobras de Marcos Valério, réu do mensalão condenado por unanimidade! E que tal a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)? Ou as associações de juízes? Aí, meus amigos, seria o caso de seguir a receita de Dilma para apagões: gargalhar.

Talvez a saída seja deixar como está e esperar que o cargo vitalício inspire a independência do julgamento do ocupante.

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na Pág. A2 do Estado de S. Paulo de quarta-feira 2 de janeiro de 2013)

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José Nêumanne Pinto

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