SEMINÁRIO DE JORNALISMO E LITERATURA NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
PALESTRA DE JOSÉ NÊUMANNE PINTO
TERCEIRA SESSÃO
DIA 23 DE OUTUBRO DE 2004
1ª. TRANSCRIÇÃO DAS FITAS DE ÁUDIO (continuação…)
Moderador:
Meu caro colega José Nêumanne, obrigado por esse brilhante depoimento, pelo bom humor com que o conduziu. Eu queria convidar a presidente do “Pen Club”, Maria Beltrão para que entregasse o diploma ao nosso José Nêumanne.
Queria dizer que já temos mais de quarenta perguntas, mostrando, como realmente este público está nos ensinando muita coisa. Uma das coisas maiores que esse povo está ensinando, quando estimuladas, as pessoas participam. Então isto é muito bonito e muito reconfortante para nós todos.
Queria passar a palavra, temos, hoje, dois comentaristas, para Antonio Olinto, que foi um dos idealizadores deste seminário, que vai, em dez minutos fazer os seus comentários sobre o que é que já ouviu dos três palestrantes de hoje.
Moderador:
Acadêmico Antônio Olinto
FITA 8 LADO B (continuação fita 7 lado B)
Agora, eu quero falar sobre o nosso Nêumanne. Nêumanne é um homem extraordinário, não só como poeta, mas como jornalista. Mas eu tenho um amor profundo pela língua portuguesa. Há dois anos, a Suécia organizou um seminário sobre a língua portuguesa e foram convidados dois acadêmicos, eu e o Marcos Vilaça, fomos a Estocolmo, comparecemos e no primeiro dia, um sueco, um rapazinho de uns quinze anos perguntou por que é que nós estávamos aqui, era mais ou menos essa platéia, todos aqui, discutindo língua portuguesa, por que língua portuguesa? Aí o chefe, Arthur Lunskvist disse: “É muito simples, a Suécia tem sete milhões de habitantes, somente sete milhões de habitantes falam sueco. Não há curso de sueco em nenhum país do mundo, ninguém está interessado em aprender sueco. É por isso que todos nós desta sala, sabemos inglês como segunda língua, que é com ela que nós vivemos. A língua portuguesa tem 220 milhões de pessoas falando português. É do nosso interesse, na Suécia, este paisinho – ele disse mesmo assim – com sete milhões de habitantes, aprender uma língua que é falada por 220 milhões de habitantes.” Portanto, há que ter um amor profundo por essa língua.
Quando, em Londres, um jornal fez uma estatística dos jovens, quantas palavras sabiam para usar na vida, descobriram essa coisa espantosa, os rapazes de rua sabiam somente trezentas palavras, eles vivam com trezentas palavras. Com trezentas palavras, você não pode amar, não pode odiar, não pode conversar. È impossível viver com trezentas palavras, quando se sabe que Shakespeare usou doze mil palavras, que Machado de Assis usou dez mil palavras, e que cada acadêmico que está aqui presente, deve ter usado, no mínimo, de quatro a cinco mil palavras. Porque é com a palavra que a gente pensa, é com a palavra que a gente analisa, é com a palavra que a gente odeia e ama, então temos que saber palavras.
O que existe hoje, existe realmente uma globalização lingüística, que sempre houve. No tempo dos romanos, o latim se espalhou pelo mundo. Bem depois, a França começou a predominar no mundo, o francês se espalhou pelo mundo. E agora, há muito tempo, é o inglês. Porque eles têm o poder, e saem com o poder pelo mundo e impõem de certa maneira a sua língua. É claro que temos que lutar contra isso, não podemos chegar na Barra da Tijuca e ver escrito “drive thru”, quer dizer, pode guiar em frente. Nós não estamos nem em Nova Iorque, nem em Miami, para colocar um anúncio de “drive thru” para motorista brasileiro. Portanto, isto precisa ser combatido, mas a língua que é nossa precisa ser defendida, é claro que Nêumanne tem razão. Quando existe uma deterioração da língua, mas precisamos combater essa deterioração, porque o pior, eu sou terrorista, eu termino quase todos os meus discursos e conferências dizendo o seguinte: nós temos vinte milhões de analfabetos absolutos, não sabem fazer um ‘A’ e temos mais ou menos trinta e cinco milhões de semi-analfabetos. É possível, é possível levar um país deste para frente, com vinte milhões de analfabetos absolutos? Sabem o que é isso? São quatro Uruguais. O Uruguai tem cinco milhões de habitantes, tem universidade, tem tudo. São três Suécias, que tem sete milhões de habitantes. Nós não podemos carregar este peso. É um peso, não só na consciência, mas no corpo, na economia, em tudo, na cidadania. Como ter cidadania com vinte milhões de analfabetos absolutos. Portanto, além da Fome Zero, existe também a Letra Zero, porque nós temos fome de letras, temos fome da língua portuguesa, temos fome de lê-la, decorá-la, entendê-la, expandi-la, porque ela é o nosso maior instrumento.
E, ao lançar este seminário, Mauro Salles provocou isto, esta comparação, entre o jornal que temos todos os dias nas mãos, escrito em português, mal português às vezes, errado português – mas para isso temos Bechara, grande gramático e lingüista para ensinar como deve fazer – escrito em português nosso, com, às vezes, as nossas gírias, além de que, eu que faço uma página literário na “Tribuna da Imprensa” e fiz páginas literárias no Globo e em vários lugares, os jornais também têm as suas páginas literárias, têm também uma literatura que também vai todas as semanas, que vai a um público que fala desta coisa maravilhosa que é a língua portuguesa usada e bem usada. Usada como a usou Machado de Assis, como a usou Euclides da Cunha, quando o português era inteiramente diferente, mas era uma beleza de português, e isto é a nossa maior propriedade. Isto é nossa vida, porque a gente pensa com palavras, ama palavras, sonha com palavras. Muito obrigado.
Moderador:
Muito obrigado ao Antonio Olinto. Eu fui colega, muitos anos de Antonio Olinto, na redação de “O Globo”, então vou tomar a liberdade de pedir que ele venha aqui e eu mesmo vou entregar, ao meu colega que tanto me ensinou, o diploma deste seminário.
Vou dar uma informação, hoje tivemos, com chuva e tudo, a presença de 325 membros do grupo de participantes, que é exatamente a lotação deste Teatro R. Magalhães Júnior, sem as cadeiras anexas. Eu gostaria de dar parabéns a esse grande público participante.
Queria passar agora, para seus comentários, ao professor, gramático e acadêmico e grande ser humano que é, Evanildo Bechara.
Acadêmico Evanildo Bechara
Senhores acadêmicos, prezados colegas de mesa, prezados participantes do Seminário Jornalismo e Literatura. Eu nunca fui jornalista, também nunca fui escritor de ficção, mas sobre esses dois campos, eu sou professor de linguagem, sou professor de língua portuguesa e automaticamente, sou professor da matéria-prima com que se fazem os jornais e com que se fazem os livros de literatura. De modo que estou afinado com este seminário, e neste sentido, quero deixar aqui expresso o meu agradecimento ao Mauro Salles, amigo e conterrâneo, pelo convite que me fez de participar desta penúltima mesa sobre a matéria.
Na realidade, jornalismo e literatura são apenas duas faces deste esplendoroso mistério fabular, que se chama linguagem. E é curioso observar que, embora a linguagem seja uma faculdade inerente ao humano, porque só os humanos falam, nós temos realmente da linguagem um conhecimento muito rudimentar, mesmo entre os especialistas vigoram idéias que foram aqui proclamadas pelo nosso colega Nêumanne, com muita razão, como jornalista, da deficiência da ótica por que se observa a linguagem.
De um modo geral, só se pensa que a linguagem está refletida nas línguas, e realmente durante muitos séculos, a lingüística e os estudos de linguagem se reduziam aos estudos da língua, aos estudos das línguas. Mas, na realidade, a linguagem é um fenômeno muito mais amplo, que envolve planos diferentes que precisam ser levados em consideração para que a pessoa atinja aquilo a que hoje, modernamente, damos o nome de competência lingüística.
A competência lingüística se divide em três planos fundamentais. O primeiro plano é o plano do pensar, porque nós não falamos somente com as línguas, nós falamos também com outros subsídios que fazem parte deste fenômeno extraordinário, que se chama linguagem. Este plano do pensar, envolve também o conhecimento do mundo, do mundo objetivo em que estamos inseridos e graças a eles nós podemos descodificar mensagens que não dependem exclusivamente do conhecimento idiomático, do conhecimento de uma língua particular.
Quando nós sabemos fazer a distinção entre um político de mãos limpas e uma criança de mãos limpas, a diferença não está no plano da língua, mas neste plano superior do pensar e do conhecimento do mundo objetivo, porque nós sabemos que há políticos que não honram a confiança que lhes foi depositada pelos eleitores, como também sabemos que há crianças que ainda não internalizaram as regras de higiene. A diferença entre uma criança de mãos limpas e um político de mãos limpas, não está na língua portuguesa, mas está no nosso conhecimento do mundo. De modo que a primeira condição para se usar, para se chegar à competência lingüística, nós temos de saber pensar e temos de conhecer o mundo. Isto nos traz, não somente um avanço da nossa cultura geral, indispensável para qualquer ato de falar e escrever, mas também nos permite dissertar sobre esses temas.
O segundo plano é o plano idiomático. É o plano do conhecimento da língua, a que se referiu muito bem José Nêumanne e eu agradeço vê-lo incluído nesta nossa campanha do aperfeiçoamento da língua portuguesa, que deve ser antes de tudo, o aperfeiçoamento da cultura. No tempo em que se pensava que a nossa preocupação estava no estudo das línguas, e ainda hoje se pensa assim, quando se quer fazer a melhoria da língua portuguesa, pensa-se em uma série de providências que não vão resolver o problema. Aumentar o número de aulas de língua portuguesa, introduzir o latim, ensinar lógica para fazer a meninada pensar, quando, na realidade o que nós devemos fazer é aumentar a nossa cultura, não é a língua que está deficitária. Está deficitária a nossa cultura, o nosso conhecimento do mundo e a nossa competência da nossa cultura de um modo geral. O segundo plano idiomático, é o plano da língua, como eu disse, a que se referiu José Nêumanne, com muita argúcia e com muito patriotismo.
E o terceiro plano, é o plano do texto, de modo que a diferença entre literatura e jornalismo está, justamente, neste terceiro ponto. Já Buffon dizia “le style c’est l’homme même” – o estilo é o próprio homem e justamente a diferença entre o jornalismo e literatura está na diferença dos estilos, está nas diferenças das visões do mundo. O jornalismo trabalha para o seu semelhante imediato, a literatura trabalha para o eu interior. Empiricamente, Cony fez essa dicotomia, falando do jornalismo como aquele que vive no aquário, enquanto o literato é aquele que mergulha na profundeza das águas. A profundeza das águas é exatamente o nosso eu interior, aquela experiência de falar muito menos interessadamente com quem nos ouve ou quem nos lê, mas para traduzir a si mesmo, este é o literato. O jornalista, não. O jornalista é aquele que tem como menção maior comunicar a outrem uma informação.
Modernamente nos estudas de linguagem, não somente se privilegiou a pessoa que fala, mas também o ouvinte, um grande estilista alemão Carlos Fosler chamou atenção para isto: não basta atender à pessoa que fala, mas é preciso também atender à pessoa com quem se fala. Surgiram daí várias disciplinas novas lingüísticas, erradamente vistas e entendidas como substitutas da gramática. Não, a gramática estuda o plano da língua, o plano idiomático e essas disciplinas que estudam o texto, a lingüística textual, a análise do discurso, a estilística, a pragmática, essas disciplinas estão voltadas exclusivamente para o texto. O texto na sua materialidade, como se referiu Lêdo Ivo, o texto do lide e do sublide, porque não é só no estilo, não é só feito com palavras, mas é também feito com toda uma arquitetura material do texto. De modo que, a meu ver, todos nós, em campos diferentes, estamos trabalhando nesse prodigioso campo da linguagem, em que a língua portuguesa é apenas um dos seus setores.
Uma língua, português, francês, espanhol, é apenas um mergulho do homem na sua historicidade, por isso é que não se faz referência a uma língua sem adjetivos, como se faz referência à linguagem. Eu não preciso dizer linguagem humana, porque a linguagem, como vimos, é um privilégio dos humanos, mas quando falamos de língua, temos de dizer língua portuguesa, língua francesa, língua inglesa, língua alemã, etc. Porque uma língua determinada, uma língua particular é justamente o mergulho do homem na sua historicidade. E o texto é o mergulho do homem na sua vida interior, nas suas necessidades imediatas, quer do jornalismo, quer nas profundezas da sua mensagem literária no escritor. De modo que este seminário, é um seminário que há de representar um esforço, no sentido de que esses dois campos, jornalismo e literatura, estejam irmanados com uma preocupação com a linguagem, e na linguagem irmanados na preocupação com a língua e com o texto, isto é com o estilo.
E gostaria de reforçar as informações e as críticas do colega José Nêumanne, exatamente quanto à necessidade de que a língua portuguesa seja realmente, vamos dizer, recuperada das suas excelências. E esta recuperação das excelências da língua portuguesa, não está somente no aprendizado da língua, mas no aumento da cultura geral, porque é pela cultura geral que a língua então se expande. De modo, que este comentário é um comentário que sobrepaira as informações muito bem apresentadas pelos colegas de mesa e esses comentários querem, mais uma vez reforçar a necessidade de que nós voltemos a oferecer à língua portuguesa a dignidade da sua posição altaneira, a dignidade de uma linguagem escorreita e uma dignidade que seja incontestavelmente, que esteja incontestavelmente paralela à missão a que esta país se destina com o progresso da educação e da cultura. Muito obrigado.
Moderador:
Queria agradecer ao professor Bechara, seus comentários, eu queria solicitar a presença aqui de Emanuel Públio Dias, diretor da Interamericana, que coordena a equipe que está nos bastidores trabalhando para produzir tudo que vem depois do seminário. Nós estamos digitando todas as perguntas, todas serão respondidas. Nós estamos gravando todos os depoimentos, todos eles serão complementados pelos seus autores e corrigidos e vão se transformar em publicações, em revista, em livro, em cd, destinados a estimular o debate sobre o jornalismo e literatura, e não a resolver o debate. Emanuel.
Moderador:
Eu queria assinalar que recebemos oitenta perguntas, mais ou menos, o tempo vai ser respeitado e vou dirigir uma pergunta a cada um dos três palestrantes, que é o que possibilita e vou fazer um comentário, que nós recebemos uma crítica de um dos presentes aqui, que não se conforma que haja tantos palestrantes, que haja tanto comentarista e que o chamado “espaço aberto para o debate”, acaba não ocorrendo. A gente, para realizar alguma coisa tem que estabelecer normas de organização e se ater a elas para que se possa ter o mínimo de eficiência. Essa pessoa vai ter também a sua pergunta publicada junto com as outras, vou procurar conversar com ele posteriormente e acho muito bom que as pessoas possam fazer as suas críticas.
Lêdo Ivo, uma pergunta de Paloma Danenberg, que diz assim: “Gostaria de saber o que o senhor acha da volta dos folhetins. Isso seria possível nos dias de hoje?”
Acadêmico Ledo Ivo
O folhetim está ligado a um determinado tempo do jornalismo brasileiro, não é verdade? Por exemplo, no caso brasileiro, no tempo de José de Alencar, logo no começo da independência, depois Machado de Assis e etc. E há novas formas de folhetim, na minha opinião. Na minha opinião, o verdadeiro folhetim do nosso tempo é a novela de televisão.
Moderador:
Ao acadêmico Ivan Junqueira, Biessa Alves dirige a seguinte pergunta: “Se é necessário seguir os cânones da língua, como deixar que ela evolua? Se não houvesse evolução nos idiomas, talvez ainda estivéssemos falando latim ou aramaico?”
Acadêmico Ivan Junqueira
Não, eu acho que está havendo aí uma pequena confusão. Nenhum de nós aqui, na Academia, embora estejamos desempenhando o papel de guardiões das palavras, nenhum de nós veta qualquer tipo de transgressão no uso da linguagem, porque essa transgressão envolve uma determinada forma de estilo. Mário de Andrade tentou todas as transgressões possíveis e infelizmente acabou escrevendo numa língua em que ninguém mais entende ninguém. Guimarães Rosa, muito bem fundamentado no plano da língua, foi muito adiante porque desenvolveu uma espécie de estilo cujo objetivo se situava exatamente no plano estético. Agora eu pergunto a vocês, sem o cânone, o que é que se vai transgredir? Se você não conhece o cânone, você vai transgredir o quê? Então, é nesse sentido que a norma culta tem que presidir qualquer criação literária. Agora a partir daí é que surge a possibilidade da transgressão. Agora, até a transgressão se situar no plano estético, é um caminho muito tortuoso, muito difícil e que só realmente os grandes mestres conseguem resultados realmente positivos. Mas eu queria que todos vocês meditassem sobre isso, e é nesse sentido que eu encampo, em gênero, número e grau, a denúncia feita por José Nêumanne, sem o conhecimento do cânone, não há o que transgredir porque não se sabe o que se está transgredindo.
Moderador:
Francisco Marco Júnior pergunta ao Nêumanne o seguinte: “No tocante ao fato da nossa língua estar na UTI, você concorda que o nosso povo é aculturado e adora estrangeirismo?”
O estrangeirismo é um vício resultante da civilização. Se for um mal, será um mal necessário à própria civilização, principalmente para quem vive nesta globalização, na qual é natural falar em hambúrguer, hot-dog e coisas do gênero. Não recebo com grande entusiasmo essa lei do Aldo Rebelo de proibir estrangeirismos, pois esse método já não deu certo, por exemplo, na França, que tem uma língua muito mais divulgada e muito mais disseminada do que a nossa. Eu não vejo problemas na absorção do estrangeirismo, o meu problema maior é em relação à confusão que há entre a transgressão e a incompetência. Peço-lhes aqui licença para complementar a resposta que Ivan deu há pouco à questão da transgressão da regra, porque achei que a pergunta foi até mal dirigida ao Ivan – perdoe-me a pessoa que perguntou , já que, na verdade, ela tinha de ser dirigida a mim, porque Ivan não se referiu à questão canônica e quem falou nela fui eu. De qualquer maneira, eu retomo, aqui, a partir da questão do estrangeirismos, o tema do cânone da norma culta, não apenas para endossar o que o Ivan falou – “sem norma culta, não há transgressão” – como também para acrescentar que a transgressão só é possível com uma enorme competência do domínio técnico da norma. Só uma pessoa que tenha um domínio técnico extraordinário da norma é autorizada a transgredir. Não há uma rigidez da língua, é claro que a língua é dinâmica e ela se move. O que não pode é haver ultrapassagem do limite da compreensão. O exemplo que Ivan citou é perfeito: Mário de Andrade tentou criar outra língua, uma língua que para ele seria mais adequada para o Brasil. Essa língua se perdeu e a literatura de Mário escrita nessa língua também. Aliás, Glauber Rocha também fez uma tentativa nesse sentido, malsucedida. Guimarães Rosa, não. Guimarães Rosa, profundo conhecedor da norma culta, profundo conhecedor da lingüística, de outros idiomas, fez um amálgama de uma grande transgressão, de uma grande beleza estética e que permanece viva até hoje. Então, esse é o limite. Não há limites de rigidez: não estou querendo, aqui, manter a língua portuguesa engessada, não é isso. A língua é dinâmica e ela evolui e quem faz a língua evoluir é o povo. Só que tem de haver um mínimo de compreensão entre duas pessoas que a falam e mais ainda entre uma pessoa que escreve e a outra pessoa que lê. Então, existe a necessidade de se fixar, através da norma culta, códigos que permitam a comunicação entre duas pessoas. Em relação ao estrangeirismo, acho que é um problema muito mais residual, fruto do nosso tempo e tem a ver muito mais com o coloquialismo, com a língua falada do que propriamente com a língua escrita. Muito obrigado pela atenção.
Moderador:
Obrigado. Eu queria chamar a atenção dos companheiros que a próxima sessão de encerramento é na quarta-feira e como vai haver fones para a tradução simultânea, porque o orador vai falar em francês, o principal orador do dia, eu recomendaria que chegassem um pouco mais cedo para que o processo de entrega de fones possa ser feito de maneira a não adiar o início da reunião. Eu dou por encerrada a sessão e peço apenas que o Arthur Cantalício procure se identificar comigo para que a gente converse um pouco lá na porta. Muito obrigado a todos vocês.
Resposta a perguntas encaminhadas por escrito:
Perguntas:
1 – Qual a sua opinião sobre a presença nas redações de pessoas formadas em outras áreas, como história, economia e relações internacionais? O desrespeito aos cânones gramaticais nos textos jornalísticos não se deve, em parte, ao desaparecimento do copydesk?
A presença de pessoas com outra formação e outra experiência profissional que não a do jornalismo nas redações só pode enriquecer o exercício da profissão, desde que essas pessoas sejam bem escolhidas e exerçam de forma competente a missão que lhes cabe exercer. Não vejo por que transformar as redações em guetos de jornalistas e apenas jornalistas profissionais – o que poderia limitar ainda mais o já limitado universo cultural de nossas publicações periódicas.
É provável que a extinção do copydesk, uma exigência da economia e da nova tecnologia, tenha ajudado a empobrecer a qualidade média dos textos de jornais. Mas a principal causa desse processo é a má qualidade do ensino de português em nossas escolas, principalmente as faculdades de comunicação, nas quais obrigatoriamente são formados os jornalistas para o exercício da profissão.
2 – Como o jornalismo pode ser fiel à sua função social e despertar a consciência crítica da população?
A função social do jornalista é contar tudo o que sabe e manter a sociedade informada. E lutar para que chegue a ela a mais variada e plural gama de opiniões a respeito dos assuntos de seu interesse.
3 – As elites do país têm interesse em manter as altas taxas de analfabetismo presentes em nossa sociedade? Em que isso contribui para a perda da verdadeira língua portuguesa?
É provável que sim. O esquema de dominação do coronelismo incluía a manutenção das massas na ignorância. No neocoronelismo petista, são mantidos o assistencialismo da esmola como um bom valor e até uma certa valorização positiva da ignorância como se o saber fosse negativo e excludente. É claro que isso contribui para a depauperação galopante da língua – não apenas a canônica, mas até a coloquial.