SEMINÁRIO DE JORNALISMO E LITERATURA NA ABL (2.4)

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest
Pocket
WhatsApp

SEMINÁRIO DE JORNALISMO E LITERATURA NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
PALESTRA DE JOSÉ NÊUMANNE PINTO
TERCEIRA SESSÃO
DIA 23 DE OUTUBRO DE 2004

1ª. TRANSCRIÇÃO DAS FITAS DE ÁUDIO (continuação…)

FITA 8 LADO A (continuação fita 7 lado A)
Moderador:
Valdir Ribeiro Durval é editor de uma revista de poesia trimestral, de alta qualidade e ele me informou hoje, que na próxima sessão, na sessão de encerramento, vai dar exemplares da revista, do seu número que está circulando agora, para todos os participantes que estiverem presentes.
Com a palavra, o Secretário Geral desta Academia e grande estimulador dessa fase brilhante que a Academia está vivendo, sob a presidência do embaixador Costa e Silva e dele próprio, uma diretoria muito engajada, o poeta e jornalista Ivan Junqueira, que também franqueio se quer falar dali ou daqui, fica às suas ordens. As palestras duram vinte e cinco minutos.

Acadêmico Ivan Junqueira
Senhores acadêmicos, minhas senhoras, meus senhores, em primeiro lugar, eu queria, não apenas agradecer, mas também parabenizar vivamente essa iniciativa de Mauro Salles, ao organizar este seminário sobre Literatura e Jornalismo. Eu me lembro, que de início, eu prometi a ele que compareceria na qualidade de Secretário Geral à Abertura do Seminário e depois voltaria quando fosse a minha vez de falar. E eu descubro que estou participando de todas as sessões desse seminário, todas muito importantes, com depoimentos significativos e esclarecedores, para essa platéia enorme, como há muito tempo a Academia não vê, e naturalmente uma platéia vivamente interessada no tema Jornalismo e Literatura.
Na linguagem teatral há um termo que se chama “a deixa”, é quando um ator começa a falar a partir de uma pista que lhe deixa outro ator em cena. E como eu ouvi, com muito interesse, todas as palestras que foram aqui proferidas, algumas coisas me chamaram muito a atenção, e eu vou começar então essa minha fala de hoje aproveitando certas deixas. A primeira delas, e que tem tudo a ver com o tema, é a de Carlos Heitor Cony, quando fez a sua conferência, no primeiro dia, e se referiu aqui, ao caráter datado do jornalismo e à condição de permanência da literatura. Ele usou, inclusive, uma imagem muito engraçada, dizendo que o escritor permanece porque é um mergulhador de águas profundas. Enquanto o jornalista, seria aquele peixinho de aquário, que se move o tempo todo para que a cena se torne mais visível por parte de um auditório, que cada dia quer uma coisa nova. É uma função inarredável do jornalismo trazer a cada dia uma coisa nova. Essa coisa nova que se chama notícia.
Então, nós estamos aqui, diante de uma situação quase paradoxal. Porque esse caráter datado, afastaria qualquer possibilidade do exercício da literatura dentro do âmbito jornalístico. Então, a conclusão seria: nada é mais distante e nada é mais próximo do que o jornalismo da literatura e vice-versa. Se nós pensarmos, por exemplo, em termos estritos desta Academia Brasileira de Letras, o número de jornalistas que pertenceram a ela é simplesmente incalculável. Ela foi fundada, inclusive, em 1897, por vários jornalistas, que eram também escritores. É o caso de Alcindo Guanabara, é o caso do próprio Machado de Assis, que era um cronista exemplar na sua época e é o caso de Raul Pompéia, é o caso de Olavo Bilac, que lidou inclusive com propaganda. Como é o caso também de Euclides da Cunha, porque na origem de Os Sertões está uma grande reportagem jornalística, porque Euclides da Cunha foi, o que hoje nós poderíamos entender, como um correspondente de guerra. Ele foi encarregado pelo “Estado de São Paulo” de cobrir a tragédia de Canudos e ali sem que talvez ele soubesse, ou talvez soubesse, mas sem que ninguém mais pudesse desconfiar, estava nascendo aquela tessitura intricada e absolutamente genial, responsável inclusive por uma espécie de identidade nacional que é “Os sertões”. Agora, quando Euclides começou a enviar as suas matérias para o Estado de São Paulo, a impressão que me fica é que, numa certa medida, talvez numa grande medida, ele tentou fugir dessa datação do tempo. Naquela época, inclusive, isso deveria ser mais fácil, porque Euclides não lidava ainda com aquele jornalismo profissional que se instala mais ou menos na década de 1920 no nosso país, quer dizer, o jornalismo amador se despede, então Euclides tinha a liberdade de criar o texto que bem entendesse, porque todo o jornalismo que se prática no século 19, como observou aqui, em sua palestra, o nosso confrade Eduardo Portella, é aquele jornalismo do publicismo e da crônica. Quer dizer, na verdade, um jornalismo mais datado ainda, mas que no entanto, dava a quem se exercitasse nessa área, uma liberdade literária, e sobretudo estilística, maior do que se da hoje ao escritor que, por ventura, passa pelo jornal.
No meu caso, eu não fui um jornalista regular. Eu ia e saía, ia e saía, e se eu for computar todos esses anos de prática jornalística, são mais de vinte ou trinta anos ligado a jornal. E eu tive uma espécie de, uma sorte muito grande, de me iniciar em jornal quando, praticamente, estava começando toda a grande reforma do nosso jornalismo. Eu me lembro que eu me iniciei, ainda completamente cru, na “Tribuna da Imprensa”, que já tentava fazer um jornalismo mais de acordo com a época em que então se vivia. Passei depois para o “Diário Carioca”, que na verdade, foi a grande matriz da revolução jornalística, que depois ocorreria mais precisamente na década de cinqüenta, no “Jornal do Brasil”. Agora, o que acontece? Desde que eu me entendo como alguém que definiu um destino na vida, a minha preocupação está ligada à poesia. Num certo sentido, o jornalismo atrapalha o escritor, porque traz para dentro da sua escrita aquele caráter datado do dia-a-dia, mas por outro lado, é na prática do jornalismo que todos nós aprendemos a ser econômicos, limpos, concisos e até algo avaros, no que diz respeito à nossa maneira de nos expressar. De maneira que neste sentido, o jornalismo me trouxe uma enorme benesse, sobretudo para tudo aquilo que eu escrevo em prosa.
Eu não sou um ficcionista, tenho inclusive uma enorme inveja de todos os ficcionistas, porque eu sei que jamais poderei escrever prosa de ficção. Mas eu sempre escrevi o que se poderia chamar de prosa “ensaística”, e eu me lembro que há uma diferença enorme entre a prosa do meu primeiro livro de ensaios, que é “A Sombra de Orfeu”, inclusive um livro que foi premiado por esta casa, e o meu segundo livro que se chama “O Encantador de Serpentes”. Quando eu, por acaso, releio esses textos, é enorme a diferença em matéria de contenção, de perda de tempo com as palavras, do apuro da própria linguagem, da preocupação com a clareza e da concisão com aquilo que se escreve.
Evidentemente, que pouco depois, mais ou menos na década de setenta, eu começo a praticar algo de diferente e que aí foge um pouco daquele problema da datação. Luis Paulo Horta, da vez passada, disse aqui umas poucas palavras sobre a atividade dele, não propriamente como o grande editorialista que ele é, mas como o crítico de música. E quando você exerce a crítica em jornal, você pode programar melhor o seu texto. O texto que você escreve sobre um volume de poemas, sobre um romance, enfim, sobre qualquer obra literária, ele não está muito preso a este problema de tempo. Inclusive eu me lembro que desde 1977, até o fim da década de oitenta, à parte o meu trabalho de copidesque, como lembrou aqui o Lêdo Ivo, eu me tornei um colaborador permanente, como crítico literário, de “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Estado de São Paulo” e a “Folha de São Paulo”. E foi porque, nesses artigos, eu me libertasse um pouco do caráter de datação, é que eu pude depois recolher esses textos, em diversos livros de ensaios que eu publiquei. É claro que, para efeito de publicação, muito se mexia nesses textos, muito se corrigia, se atualizava, achava-se aqui uma frase melhor do que aquela escrita na época em que o foi, mas na verdade, todos aqueles textos iam abastecendo a minha futura ensaística. E nesse sentido, a prática do jornalismo me ajudou imensamente, com todos aqueles fatores que eu anunciei aqui há pouco. Você aprende a ser claro, você aprende a ser conciso, você aprende a se comunicar melhor e, sobretudo, você aprende a amar o autor e, como disse Lêdo Ivo, a compreender melhor a própria condição humana.

As minhas passagens em jornal, na verdade, foram sempre passagens de um escritor que se sabia não ser um jornalista. Daí estas constantes idas e vindas, daí os períodos pequenos que eu permaneci em jornal. Da última vez, inclusive, tive a oportunidade de fazer uma amizade dessas que não morrem mais, no “Jornal do Brasil”, quando o chefe de redação era o nosso José Nêumanne, que está aqui à mesa. E Nêumanne, não é apenas um jornalista, é também um grande poeta e um homem que sabe escrever com um sabor inexcedível, um texto de análise crítica de livros e de outras chamadas manifestações do espírito. E eu gostaria de contar aqui um episódio, em que dentro do jornal, num determinado momento, numa hora que se diria mágica, o jornalismo e a poesia se deram as mãos. O Nêumanne haverá de se lembrar disso, era uma cobertura de Carnaval de 1984 e vários jornalistas haviam saído do Rio de Janeiro, estavam de férias e de repente eu e o Nêumanne tivemos que inventar a primeira página do “Jornal do Brasil”. Essa página, não só por causa da felicidade dos textos, mas também por causa da qualidade das fotografias, se tornou histórica na redação, merecendo inclusive os mais rasgados elogios, naquela época, de Nascimento Brito. Mas me parece, que foi isso que naquele momento, além da nossa objetividade, nós colocamos nos nossos textos também um pouco da nossa subjetividade, para analisar tudo que havia acontecido e que culminava naquela Quarta-Feira de Cinzas. De maneira que, vejam vocês, como o jornal e a literatura, às vezes, se dão as mãos.
Agora, eu tenho a impressão de que para o verdadeiro escritor, se ele tem uma trajetória muito acentuada dentro do jornalismo, isso vai acabar por se tornar um empecilho no que respeita à evolução da sua literatura. Porque a criação literária, como qualquer outra forma de criação, a primeira exigência que ela nos faz, é a exigência da solidão e não se pode imaginar como dentro de uma redação de jornal haja solidão, é a anti-solidão por excelência e, no entanto, cada um de nós – e eu vivi essa experiência de uma maneira muito intensa – que um dia foi jornalista se apaixonava por aquele clima de jornal. O clima de redação é cotidianamente uma experiência eletrizante, porque você está notificando o tempo, as coisas que estão acontecendo dentro daquele fragmento de tempo. Lêdo Ivo disse aqui uma coisa, com a qual eu não concordo muito, eu acho que o jornalismo de jornal não está se enfraquecendo e não se enfraquecerá jamais. Mesmo diante da internet, mesmo diante da televisão, quer dizer, dessa verdadeira era da imagem que nós vivemos, mesmo diante disso, o que nos queremos, a cada manhã, ao abrir a porta da nossa casa, é encontrar um jornal, pelo menos um jornal. Como eu estou casado com uma jornalista, eu recebo quatro. É claro que não posso lê-los, mas pelo menos folheio cada um deles, e é uma coisa que eu considero um pouco alarmante para quem já deixou a redação dos jornais, a primeira coisa que eu faço, antes às vezes de escovar os dentes e de tomar o café é pegar “O Globo” e o “Jornal do Brasil”, quer dizer, o meu pão cotidiano é o jornal. E eu tenho a impressão que, essa vivência, essa necessidade de se ter o jornalismo sempre à mão, não é de hoje, não é de ontem e não será de amanhã. Eu acho que é uma necessidade de todos os tempos.
Luis Paulo Horta, em sua brilhante palestra, lembrou os casos de Heródoto e de Plutarco. A historiografia de Heródoto está cheia de insights jornalísticos e as vidas paralelas de Plutarco, como ele muito bem explicou, é quase o cultivo de um jornalismo cotidiano, de um jornalismo de dia-a-dia. E ele foi muito feliz aqui quando lembrou aquela cena esplendidamente descrita por Plutarco, daquele cavalo que ninguém conseguia domar e que Ciro duvidava de que um dia fosse domado e, no entanto, Alexandre, o Grande conseguiu domar esse cavalo. E aquilo nós é descrito de uma maneira tão encantatória e faz parte realmente de uma crônica daquela época.
O jornalismo moderno, se assim podemos chamá-lo, aquele jornalismo que começa na França e na Inglaterra no século 17, era também uma necessidade da época e era uma atividade importantíssima dentro desses países, por exemplo, no jornal “The Expectator”, era o grande jornal Londrino do século 18, foi ali que o Dr. Samuel Johnson se tornou o verdadeiro ditador da literatura inglesa. Tudo o que se aprendia a respeito dos tempos anteriores a Samuel Johnson, vinha filtrado por ele, numa medida tal que ele condenou ao ostracismo, durante dois séculos, toda uma fase das mais brilhantes da poesia inglesa, que foi justamente a da Methaphysical Poetry, que somente no século 20, foi resgatada por outro grande poeta chamado TS Elliot.
Bom, eu concluo daí, que cada um de nós, aqui na Academia, passou boa parte de seu tempo nas redações de jornal. Eu tenho aqui na primeira fila Arnaldo Niskier, que nos confessou outro dia ter passado meio século de sua vida, ligado à redação de jornal e da sua Manchete querida. E Arnaldo ainda está atuando até os dias de hoje. Ontem mesmo, publicou uma crônica exemplar sobre educação no Brasil, no Caderno B, do “Jornal do Brasil”, onde ele nos fala com saudade daquele instituto das normalistas, Instituto de Educação da Tijuca, que é o bairro de nascimento dele, onde num determinado momento havia um glorioso América Futebol Clube.
E está ali Murilo Melo Filho, que é outro jornalista que veio de “Manchete”, e que durante muitos, muitos e muitos anos exerceu o jornalismo político. E Alberto da Costa e Silva, que, se não me engano, começou em jornal aos 16 anos. Então, há um ponto tangencial entre literatura e jornalismo. Esse ponto de tangência é particularmente visível na casa de Machado de Assis, de maneira que cada um de nós tem o seu tempo de passagem, tem a sua experiência pessoal e é sobre isso que eu me decidi refletir aqui.

Quais são essas ligações? Quais são essas estreitas ligações entre jornalismo e entre literatura? Como uma manifestação pode ajudar à outra e como, num determinado sentido, ela depende da outra? Em determinado momento, particularmente na segunda metade do século passado, era quase impossível distinguir, pelo menos no Brasil, literatura de jornalismo, porque há o caso, e esses casos não são poucos, de romances que eram publicados em folhetins de jornal. A participação do escritor no jornalismo do século 19, durante a época da Abolição e durante os primeiros tempos de República, a relação do escritor com o jornalismo, seja através do publicismo, seja através da crônica, seja através daquele jornalismo amador a que nos referimos aqui, essas relações são sempre muito intensas e algo decisivas naquilo que cada um deles deixou para a posteridade.
Eu gostaria de terminar esta palestra, dando uma outra versão daquelas fantásticas manchetes da Luta Democrática, a que se reportou aqui Lêdo Ivo. Falo do caso do porco. A história que eu conheço, não é bem essa. É claro que a origem esta numa frase que era “Comer o porco”. O redator-chefe indignado mudou para “Estuprou o suíno”, e o dono do jornal não satisfeito recorreu ao latim, e o título teria sido, “Coitus cum bestia”. Muito obrigado.

Moderador:
Eu queria agradecer as palavras com que o acadêmico Ivan Junqueira abriu a sua palestra, fazendo referência ao esforço de organização. Esse seminário que está sendo coordenado pela Interamericana, não teria existido senão fosse em primeiro lugar a extrema cooperação que tivemos de acadêmicos e jornalistas do Brasil todo. Mas, principalmente, a gente tem que lembrar que essas coisas envolvem custos, envolvem um mínimo de organização, envolvem suporte para os que vêm aqui e a sensibilidade de dois patrocinadores, o Bradesco e a Brasil Telecom, tomara que seja transmitido a outros patrocinadores e a outras empresas para que a cultura não fique ao desamparo. Eu queria convidar o acadêmico Arnaldo Niskier, que foi um dos idealizadores desse seminário para que viesse entregar a Ivan Junqueira o diploma que a organização lhe confere.

Facebook
X
LinkedIn
Pinterest
Telegram
WhatsApp

Nunca perca nenhuma notícia importante. Assine a nossa newsletter.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

José Nêumanne Pinto

Blog

Jornal Eldorado

Últimas Notícias

Últimas Notícias