SEMINÁRIO DE JORNALISMO E LITERATURA NA ABL (1.4)

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SEMINÁRIO DE JORNALISMO E LITERATURA NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

PALESTRA DE JOSÉ NÊUMANNE PINTO
TERCEIRA SESSÃO
DIA 23 DE OUTUBRO DE 2004

1ª. TRANSCRIÇÃO DAS FITAS DE ÁUDIO

Moderador:
Meus amigos, cumprindo o programa e o horário, 18h, está aberta a terceira etapa do Seminário de Jornalismo e Literatura. Para o dia de hoje, nós temos previstas duas palestras dos acadêmicos Lêdo Ivo e Ivan Junqueira e uma palestra do jornalista de São Paulo José Nêumanne do Jornal da Tarde. Dois acadêmicos vão, a seguir, tecer comentários sobre essa palestra. São os acadêmicos Antonio Olinto e Evanildo Bechara, aqui presentes. E eu, para dar início à sessão, convidaria os que vão participar, que são Lêdo Ivo, Ivan Junqueira, José Nêumanne, Antonio Olinto e Evanildo Bechara, que tomassem lugar à mesa. Quero assinalar que está presente, e se quiser e tiver condições de ficar, o Presidente da Academia Brasileira de Letras, Embaixador Costa e Silva. Senão, evidentemente, é dele a primeira cadeira da primeira fila, da mesma maneira.
Queria assinalar também, que estão sendo transcritas e digitadas todas as perguntas. No primeiro dia tivemos cerca de 15 perguntas, no segundo dia tivemos cerca de 90 perguntas. As recepcionistas distribuíram as fichas para que os participantes possam [escrever], solicito que não deixem de dar o seu nome, porque o objetivo é, as poucas que puderem ser respondidas diante do horário estreito, serão respondidas. As outras, vamos, com a ajuda dos próprios palestrantes e de um ou dois jornalistas que vão ser encarregados de coordenar as informações, nós pretendemos que elas possam, e devam, ser incluídas nas publicações que serão feitas no início do ano, com a integra das palestras, com a íntegra dos debates e com as contribuições que estão chegando.
Quero informar também, que o seminário se encerra na próxima semana e ao invés de quinta-feira, será quarta-feira. Com a presença da representação da Académie Française. Vai ser orador principal na próxima quarta-feira, encerramento do seminário, o Acadêmico Pierre-Jean Rémy, da Académie Française, que vem acompanhado da sua esposa, dona Sophie e vem com o diretor geral da Academia, Laurent Personne, jornalista e escritor. E temos esperança de poder, nas conversas com ele, já de alguma forma, tentar oficializar a idéia que surgiu quando da minha visita, na semana passada, à Académie Française, em Paris, e se fazer, no início deste ano, um seminário sobre literatura brasileira, promovido pela Académie Française, em Paris, em que todos os oradores seriam escolhidos entre os membros desta Academia Brasileira de Letras.
Eu passo a palavra ao primeiro debatedor de hoje, que é o poeta e acadêmico, Lêdo Ivo, que está aqui, inclusive, com a sua esposa. Lêdo Ivo, você tem a alternativa de falar daí, ou se quiser o podium, a seu critério.

Não, prefiro falar daqui. Senhores acadêmicos, minhas senhoras, meus senhores, Mauro Salles, José Nêumanne. Eu vou falar com as anotações com dois “s” , como diria o Millôr Fernandes, que eu anotei, mas será mais em tom de conversa. Falar de jornalismo e literatura, para mim, é falar da minha experiência pessoal, porque desde os dezesseis anos, na minha província, Alagoas, eu ingressei no jornalismo. Era um jornal chamado Jornal de Alagoas, do Diários Associados de Assis Chateaubriant. De modo que, por mais de quarenta anos, eu fui um chamado “jornalista de banca”, isto é, aquele jornalista que acordava todo dia, às cinco ou às seis horas da manhã, para trabalhar no jornal. “Jornalista de banca” como os que estão aqui, por exemplo, o Arnaldo Niskier, o Nêumanne e o Mauro Salles, Antonio Olinto, o Ivan Junqueira. Não o jornalista que colabora em jornal, que vai uma semana, mas aquele jornalista que fez a sua vida, a sua carreira, o seu oficio através do jornal.
E quando eu me iniciei em jornal, o jornal era muito diferente de hoje. Em primeiro lugar, os jornalistas nem sabiam datilografia, geralmente, escreviam a mão e em resmas de papel ou mesmo papel da imprensa. E nesse jornal importante de província em que eu que trabalhei, o Jornal de Alagoas, uma parte era de linotipos, uma máquina que já foi superada, e outra parte era feita manualmente, letra por letra, nos chamados “caixilhos” de jornal. De modo que por aí, como nos estamos na época do jornalismo digital, a gente pode ver o grande salto que o jornalismo deu nesses 60 anos. Quer dizer, desde a minha estréia como jornalista na província até a atualidade.
De modo que poucos jornalistas sabiam datilografia. Por exemplo, um jornalista como José Lins do Rego, que escrevia no O Globo, etc, ele escrevia à mão, a letra dele era horrenda, de modo que havia um linotipista que conhecia a letra do Zé Lins Rego, de modo que só ele sabia decifrá-la. De modo que foi nesse jornalismo que eu comecei. E ao mesmo tempo, eu comecei como jornalista e comecei desejando ser escritor, que também era a minha, vamos dizer, o maior desejo ou até ambição. De modo que, desde o começo, então eu descobri que eu teria que ser um homem de duas linguagens: uma linguagem da informação, que seria a linguagem do jornalista e outra linguagem da imaginação, que seria a linguagem da minha realização literária e poética.
De modo que, então, eu vim para o Rio em 1943 e aqui então eu continuei a minha carreira de jornalista. Um negócio muito curioso, que naquele tempo, o Rio de Janeiro era dividido entre matutinos e vespertinos. Havia uma infinidade de jornais. De modo que ainda hoje de manhã eu comecei a me lembrar, talvez nem me tenha lembrado de todos, mas os jornais que eu encontrei aqui no Rio, na década de 50, os matutinos eram: “O Correio da Manhã”, que era talvez o jornal mais importante, mais respeitado que havia e até o mais aristocrático num certo sentido, “O Diário de Notícias”, que era um jornal importante e que se distinguia por publicar toda a movimentação militar, que havia transferência de militar e da Aeronáutica, da Marinha, do Exército, etc. De modo que era um jornal muito respeitado pela classe Militar. Havia “O Jornal”, que era um grande jornal dos Diários Associados, de Chateaubriant. Esse jornal, aliás, um jornalista atualmente famoso, Fernando Moraes, até escreveu a história do Assis Chateaubriant. Havia o “Jornal do Comércio”, que era o jornal tradicional, muito ligado à Academia, os seus diretores eram geralmente membros da Academia Brasileira de Letras. Inclusive esse jornal publicava numa página inteira, uma terceira página, toda a Ata das Sessões da Academia, de modo que era assim um jornal muito ligado à nossa instituição. E havia “A Manhã”, que era um jornal criado pelo poeta e acadêmico Cassiano Ricardo, era um jornal do Estado e pertencia à União e se destinava, não apenas, à informação, mas também à doutrinação do chamado Estado Novo ou Estado Nacional ou Ditadura Vargas. Havia “O Diário Carioca”, que ostentava na primeira página sempre um artigo de um famoso jornalista, muito combatido, JE de Macedo Soares. Havia “O Radical”, que muitos achavam que era da imprensa “marrom”.
E havia uma coisa curiosa, que era um jornal chamado “Luta Democrática”, que era um jornal que explorava as pequenas misérias e vicissitudes das classes mais pobres, dos subúrbios, da Baixada Fluminense. De modo que esse jornal se caracterizava pelas suas manchetes surpreendentes. De modo que ainda hoje, eu guardo, eu e o Arnaldo Niskier guardamos na memória alguma dessas manchetes que emocionavam a cidade inteira. Eu vou citar algumas. Por exemplo, a história de um operário que uma vez chegou na casa, a mãe não tinha preparado a comida, houve uma briga, ele matou a mãe, então esse jornal, no dia seguinte, publicou a seguinte manchete: “Matou a mãe sem motivo justo”. Há também a história de um operário que resolveu visitar a família no interior fluminense. Então na hora de sair de casa de manhã, ele chamou a mulher para acompanhá-lo, a mulher alegou que estava com muita dor de dente e não ia. Ele então foi obrigado a ir sozinho. Mas houve um grande congestionamento na Avenida Brasil, de modo que quando ele chegou o ônibus já tinha partido. Ele então voltou para casa, quando ele ia entrando em casa, notou um gemido, então presumiu que a dor de dente da mulher tivesse aumentado. Ele abriu o quarto, a mulher estava transando com um camarada. Ele então tentou matar o camarada, etc. Foi um caso de policia. No dia seguinte, a “Luta Democrática” apresentou a seguinte manchete: “O gemido era imoral”. A história também de uma senhora de subúrbio muito ciumenta que resolveu decepar a genitália do marido. No dia seguinte, a “Luta Democrática” publicou a seguinte manchete: “Cortou o mal pela raiz”. Há também, nesse mesmo jornal, uma vez, uma moça, uma estudante da Escola Normal, comeu um cachorro-quente e se sentiu mal, foi para o Hospital Miguel Couto, etc, fizeram uma lavagem. Então ele deu como manchete: “Cachorro faz mal à moça”. E, finalmente, o caso assim mais estrondoso, é a história de alguns desocupados que, na zona rural do Rio, violentaram um porco. Então, o repórter levou a matéria para o secretário, o secretário então ficou indignado, disse: “Mas isso não é título,” Estupraram um porco “. A sociedade não admite um título dessa natureza. Vamos ter que mudar”. Então, no dia seguinte saiu: “Estupraram o suíno”. De modo que, esse era o jornalismo daquela época.
Agora, além dos jornais, havia as revistas daquela época, da década de 40. Que eram “O Cruzeiro”, a grande revista, equivalente à “Veja” de hoje, “A Cigarra”, onde eu trabalhei, “O Detetive”, que era uma revista destinada ao romance policial, “Vamos Ler”, que era uma revista de entretenimento, “A Noite Ilustrada”, que era uma revista de fotos, “Carioca”, que era uma revista dirigida por R. Magalhães Jr, o grande jornalista e repórter que depois se tornou membro da Academia, e eu sou ligado a essa revista porque quando eu era adolescente, em Alagoas, essa revista tinha um concurso literário, concurso de contos. E esse concurso, eu ganhei, algumas vezes, prêmios e também Clarice Lispector ganhou prêmio, de modo com as alegrias do R. Magalhães Jr. era de ter sido padrinho literário de mim e da Clarice Lispector.
Havia também “O Malho”, “A Revista da Semana”, “FonFon” e “A Careta”. Todas essas revistas, e quase todos os jornais que eu citei, sumiram. O que prova que os jornais e as revistas são como as criaturas humanas e até como as civilizações: nascem, surgem e desaparecem. Quando eu cheguei aqui ao Rio, eu fui trabalhar no jornal “A Manhã”, que era o jornal do Estado Novo, do governo. Era um jornal muito curioso, feito um jornal moderno, criado por Cassiano Ricardo, que era um grande jornalista. Foi o primeiro jornal brasileiro a apresentar notícias nacionais na primeira página, especialmente notícias dos estados. Porque naquele tempo, os grandes jornais, como “O Correio da Manhã” , apresentavam toda a primeira página era de noticias internacionais, como se o Brasil fosse uma colônia, como se o Brasil não tivesse o menor interesse para o leitor. De modo que “A Manhã”, do Cassiano Ricardo, que era um jornal ligado ao Getúlio Vargas, etc, foi o primeiro a projetar o Brasil na sua primeira página. E era um jornal muito importante, porque entre os seus redatores e colaboradores, figuravam Gilberto Freire, José Lins do Rego, Cecília Meireles, Affonso Arinos de Mello Franco, Vinícius de Moraes, que era o crítico de cinema, Lúcio Leão, Oliveira Viana, Menotti Del Picchia, Manuel Bandeira, Adonias Filho, Jorge de Lima, Murilo Mendes. De modo que, é muito curioso, a menção a esses nomes, porque mostra as curiosas relações entre a inteligência e o poder aqui no Brasil. Naturalmente que depois da queda do Estado Novo, esses grupos se dispersaram, etc e talvez até muitos deles tenham dito que eram da oposição daquele tempo. Também em 1944, tendo eu publicado um livro “Ode e Elegia”, que recebeu um critica muito elogiosa de Álvaro Lins, que era então o grande crítico do “Correio da Manhã” e a figura mais respeitada da crítica brasileira. Eu, então, fui convidado para ser o cronista dominical do “Correio da Manhã”. Isto permitiu que, ao lado de minha atividade jornalística, eu também começasse a exercer, semanalmente, uma determinada atividade literária e me inserisse no hall dos cronistas brasileiros. O “Correio da Manhã” foi um jornal muito importante da década de 40.
Bem, na década de 50, houve três acontecimentos que eu considero fundamentais. Primeiro lugar, o surgimento de “Manchete” para concorrer com “O Cruzeiro”, uma revista que realmente revolucionou a indústria de entretenimento no Brasil e foi criada por Adolfo Bloch, um imigrante russo, de uma família de tipógrafos, de modo que ele trazia até uma experiência ancestral a esse respeito e foi uma revista que teve muita influencia até o seu fechamento recente. Foi a revista que sucedeu ao “O Cruzeiro”. Em segundo lugar, foi a fundação da “Tribuna da Imprensa” por Carlos Lacerda. Nesse jornal eu fui trabalhar e foi outra experiência que me converteu num jornalista político, ao lado do Murilo Melo Filho, que eu acho que não está aqui não. Ah! Está aqui, é? Aliás, falando em Murilo Melo Filho, ele se iniciou, eu mencionei aqui “O Correio da Noite”, um pequeno jornal católico que aqui havia no Rio e foi lá, então, que o Murilo começou a sua trajetória que terminou aqui na Academia Brasileira de Letras. E também, a fundação de a “Ultima Hora”, um jornal criado por um outro filho de imigrantes, Samuel Wainer, para apoiar Getúlio Vargas. Curioso que desses jornais, quer dizer dessas criações da década de 50, só a “Tribuna da Imprensa” sobreviveu. Uma vez que a “Manchete” e a “Última Hora” já não mais existem.
Agora, ao longo do tempo, várias coisas devem ser salientadas. Em primeiro lugar, é a linguagem jornalística, por exemplo, a mudança de linguagem. Quando eu comecei a trabalhar havia uma coisa em jornal chamado “nariz de cera”, quando você escrevia uma noticia, você primeiro tinha que fazer um comentário inicial, por exemplo “Inundação no Rio de Janeiro”, você deveria dizer que o Rio era uma cidade sujeita a inundações, essas coisas, etc. então lá no meio da notícia você colocava que, ontem o Rio foi inundado. Mas depois como houve, após a Segunda Grande Guerra, a influência francesa no Brasil foi substituída pela influência americana, criou-se a primeira Faculdade de Jornalismo no Brasil e os jornalistas deixaram de ser fruto do convívio deles nas redações, da experiência transmitida pelos companheiros mais velhos. Os jornalistas então vinham das faculdades, vinham naturalmente, quase sempre, inteiramente “crus”, não tendo jamais entrado numa redação de jornal e tendo mais um conhecimento empírico do que fosse jornalismo.
Mas nessa época então se criou, por influência dos manuais de jornalismo americano, uma nova figura de retórica jornalística, era o lide, que era você, numa notícia, dar o mais importante da notícia na primeira linha, e depois então o sublide, que já era o complemento daquela primeira informação, e assim por diante. Isto constituiu uma verdadeira revolução no jornalismo brasileiro, que é um negócio curioso, porque eu me lembro quando eu era jovem, lá na imprensa, por exemplo, uma vez era o aniversário do chefe de polícia, eu tinha feito uma nota dizendo: “Faz anos hoje, o senhor fulano de tal, o chefe de polícia”. O secretário do jornal disse “Não, isso não pode ser assim, está muito seco”. Então ele escreveu: “A data de hoje assinala o transcurso do aniversário natalício de fulano de tal, chefe de policia”. Quer dizer, você tinha que encompridar o mais possível uma notícia. Por exemplo, ele me deu umas notícias de falecimento lá em Alagoas, também era assim: “Confortada pelo sacramento da Santa Madre Igreja, entregou ontem a alma ao Criador a virtuosa senhora Fulana de tal, não sei quê, após insidiosa moléstia, porque naquele tempo, não se falava nem em doença, nem enfermidade, a palavra era moléstia, que zombou de todos os recursos da ciência médica.” Era assim que se dava uma nota de falecimento na época.
De modo que também neste tempo, na década de 50, foi introduzida no jornal uma coisa curiosa, que, como o ensino já começava ficar um pouco desagregado na década de 60, de 50 para 60, alguns jornais começaram a admitir, a criar o chamado copidesque, quer dizer um corpo de redatores e de jornalistas que se incubia de copiar, de corrigir e até de traduzir as matérias trazidas pelos repórteres. Eu presumo que o Ivan Junqueira foi um copidesque do Jornal do Brasil. Isto começou, aliás, com Graciliano Ramos, no “Correio da Manhã”. É um negócio curioso, aliás o problema da linguagem jornalística, porque hoje eu considero que a linguagem jornalística é a mais precária e às vezes a mais, vamos dizer, constrangedora que nós podemos imaginar. Porque como eu vim de uma época em que a gramática, a educação humanística era muito rigorosa, os jornalistas sabiam escrever, o que não ocorre hoje, porque na maioria dos jornais os textos são realmente muito mal escritos. Eu posso até dar exemplo, há poucos dias, eu li numa das mais famosas colunistas políticas do Brasil, uma frase que era mais ou menos assim: “O presidente José Sarney não dispôs-se a apoiar a emenda que foi-lhe sugerida pelo senador tal”. Isso eu li num grande jornal brasileiro, num grande jornal carioca. E quase todos os dias há erros dessa natureza.

De modo que, continuando, eu me volto para uma visão da atualidade jornalística, que é talvez o que eu possa chamar de “a morte do jornalismo de jornal”. Porque pela minha experiência, o Rio tinha quinze jornais, hoje tem três: “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “Jornal do Comércio” e “O Dia”, quatro jornais. E o “Extra”, de modo que são cinco jornais! Então isso prova que cada vez, é um negócio curioso, cada vez a leitura de jornais está diminuindo no mundo inteiro. Os jornais americanos compram que outros jornais, assimilam os outros jornais e a tiragem não aumenta, de modo que é um tipo curioso, quer dizer, os jornais perderam o predomínio, o controle da informação do primeiro momento, graças ao rádio e à televisão, que são duas novas linguagens importantíssimas. A própria civilização verbal de antigamente se tornou hoje uma civilização visual e audiovisual, é uma civilização de imagens, de modo que o texto perdeu cada vez mais a importância no jornalismo brasileiro. Os vespertinos, por exemplo, sumiram. Antigamente havia matutino e vespertino, mas quando o jornal começou a se industrializar, chegaram à conclusão que a permanência do jornal na banca favorecia as vendas e de modo que todos os jornais como “O Globo”, por exemplo, que era vespertino, saía ao meio-dia e, às vezes, até com tiragens três horas da tarde, passaram a ser matutinos.
Outra coisa muito curiosa, é que antigamente os jornais tinham donos, por exemplo, “Correio da Manhã”, o Dr. Paulo Bittencourt, “Diário de Noticias”, era o Orlando Dantas, “A Notícia” era o Cândido Campos, eram instituições familiares, o “Diário Carioca” era o Horácio de Carvalho Jr., etc. De modo que, hoje os jornais, praticamente pertencem a corporações, você não pode identificar quem é o dono, ao não ser, no caso ainda do “Jornal Estado de São Paulo”, ou então do “O Globo”, de modo que, esta foi também outra mudança que ocorreu no jornalismo brasileiro. Outro caso a salientar é a proliferação de revistas, porque se aquelas revistas tradicionais sumiram, hoje qualquer banca de jornal oferece um número impressionante de revistas, sobre vários assuntos, sobre gastronomia, sobre astrologia, revistas eróticas, etc, de modo que especialmente a indústria da revista erótica, que é consumida no país inteiro, com aquelas mulheres nuas, que aliás, em Alagoas, por exemplo, esse tipo de revista é chamado de “revista de mulher de papel”, porque as mulheres aparecem apenas nas fotografias.
A título de reflexão final, cabe-me dizer que, na minha opinião, a televisão em que a visualidade superou o texto é, a meu ver, o jornalismo atual, é o jornalismo da imagem. E dizer que o jornalismo não foi para mim apenas, vamos dizer, um oficio, o oficio da minha vocação e um dos caminhos de afirmação pessoal e literária. Foi o meu espaço de conhecimento do homem, quer dizer, porque o fato de ter sido jornalista me propiciou um grande conhecimento da natureza humana, tendo um grande convívio com as mais diferentes pessoas, das mais diferentes classes sociais e também já que o objetivo desse seminário é estudar exatamente “jornalismo e literatura”, há muita discussão sobre o jornalismo, como se fosse o jornalismo uma coisa separada da literatura, a literatura separada de jornalismo. Embora o jornalismo pertença ao universo da informação e a literatura ao universo da imaginação, há uma espécie de interpenetração dos dois gêneros, de modo que no meu caso pessoal, porque a minha visão do jornalismo é uma visão pessoal, uma visão nascida da experiência, eu diria que o jornalismo me ensinou, entre as coisas que me ensinou, me ensinou, vamos dizer, uma espécie de clareza e de exatidão, que eu presumo que eu não teria tido se não tivesse exercido o jornalismo.
Em um livro meu, “Confissões de um poeta”, eu afirmo que a profissão de jornalista é uma das que mais ensejam ao conhecimento da natureza humana. Com suas grandezas, misérias, ambições, você, como jornalista, conhece todo mundo, desde o candidato a Presidente da República, até o mendigo, de modo que isso lhe dá uma grande riqueza de formação, de conhecimento e de convívio. Então, nesse livro, eu digo que as profissões que mais, vamos dizer, com mais exatidão ou com menos inexatidão podem revelar a natureza humana, que podem levar a gente a conhecer a natureza humana são a de padre, a de prostituta, a de médico e a de jornalista. De modo que eu não saberia dizer onde em mim começa o poeta e onde começa o jornalista. O jornalismo me ensinou a ser claro, mesmo sendo obscuro e me ensinou a ser um observador do coração humano. Muito obrigado!

Moderador:
Agradeço ao poeta e acadêmica Lêdo Ivo, não só essas observações sobre jornalismo e literatura, mas essas lições de vida. O seminário atribui a cada orador um diploma e convida pessoas significativas para entregá-los. Se ainda não fugiu, está aí o editor José Mário Pereira, da “Topbooks”, que eu convidaria que aqui viesse para entregar ao Lêdo Ivo o diploma de orador desta palestra. José Mário ainda está aí? Fugiu, José Mário Pereira, inclusive, o seu “Topbooks”, vai tomar conta, em poucos meses, da livraria da Academia Brasileira de Letras, no andar abaixo. Convido o também jornalista Valdir Ribeiro Durval, do “Pen Club”, para que venha aqui para entregar este diploma ao Lêdo Ivo.

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José Nêumanne Pinto

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