Em vez de comemorar os R$ 26 bilhões que vão gastar na Olimpíada do Rio, os governos federal e estaduais devem lutar para remover a miséria e a violência que turvam os encantos da cidade
São Paulo, que me acolheu muito bem e onde nasceram meus três filhos e um de meus dois netos, que me perdoe, mas, ainda que more há 39 anos aqui, adoro o Rio de Janeiro, sou Flamengo e já desfilei pela Mangueira. Deveria, então, receber com euforia a notícia da escolha do Comitê Olímpico Internacional (COI), com direito a lágrimas que nunca antes haviam rolado tão abundantes em faces presidenciais e à euforia do carnaval fora de hora registrada nas imagens da televisão, nos sons do rádio e nas páginas dos jornais e das revistas? Não. É exatamente este amor pelo Rio que leva o autor destas linhas a bancar o advogado do diabo em hora de festa no céu. Bendito seja o COI, que resolveu em muito boa hora (principalmente para o governo petista, às vésperas de uma campanha sucessória presidencial com uma candidata politicamente pesada como uma jamanta) fazer seu beau geste para a América Latina, passando por cima da estrutura, da riqueza e da beleza de Chicago, capaz de expor obras de Picasso, Chagall e outros grandes artistas nas esquinas de seu centro, das tradições de Madri e da opulência de Tóquio para, pela primeira vez na história, trazer o Olimpo esportivo para nossa América do Sul.
Mas esse gesto negocialmente duvidoso e politicamente correto só terá sentido se, passada a febre dos festejos e do pranto de júbilo, nossas autoridades federais e estaduais (e não apenas as do Rio de Janeiro) tomarem a peito a missão de remover as camadas de miséria e violência que, particularmente nos últimos anos, têm soterrado os encantos naturais da cidade que já foi chamada de maravilhosa e que pode voltar a sê-lo, dependendo para tanto, não de uma vontade suspeita de manipular R$ 26 bilhões de reais, mas de não fazer feio após o voto de confiança dado pelo resto do planeta.
O País precisa enfrentar problemas reais, caso do fim da maldita herança colonialista de nada conseguir planejar, como lembrou o especialista Hilário Franco Jr, da USP, em entrevista ao Aliás do Estadão anteontem.O Brasil inteiro ganhará se o Rio voltar a ser o que era antes de a capital federal mudar para Brasília – e não só por causa das migalhas que sobrarem do banquete olímpico, mas, sim, como resultado dos efeitos de uma guerra aberta aos barões do tráfico, que não moram em favelas, mas em apartamentos de luxo na orla, e de um combate sem trégua a delitos de qualquer dimensão, que permita, por exemplo, os agentes da lei subirem os morros sem precisarem de autorização do traficante do pedaço. Em vez de garantir que as favelas vão acabar, Lula deveria prometer que até 2016 nenhum brasileiro precisará de alvará especial do crime organizado para subir o morro.
© Jornal da Tarde, terça-feira, 6 de outubro de 2009.