Que regime é este, companheiros?

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Não é democrático um governo cujos agentes violam a lei com freqüência
O romancista baiano João Ubaldo Ribeiro, em sua coluna dominical no Caderno2 deste jornal, pôs em dúvida o acerto da definição de nosso regime político como “democracia”. Talvez seja o caso de acolher a constatação e avançar um pouco, propondo que alguma instituição respeitável e encarregada de zelar pelo bom uso do vernáculo promova um grande concurso nacional para definir qual seria ele. Pois, se ditadura não é, sendo notórias como são as liberdades de expressão e reunião nele vigentes, de idêntica maneira da dita democracia burguesa dista bastante.
Afinal de contas, se diz da democracia que é o império da lei. Mas impera a lei numa República onde o oftalmologista João Francisco Daniel se viu obrigado a fechar sua clínica de 30 anos e viver de plantões, escondido como um criminoso, apenas por exigir da polícia e da Justiça uma definição aceitável para o assassínio de seu irmão Celso? Ou onde o professor Bruno, a mulher, Marilena, e seus três filhos tiveram de fugir para lugar incerto e não sabido no Exterior como única forma de evitar que venham a ser chacinados pelos suspeitos de serem mandantes do mesmo crime, a exemplo do que ocorreu com sete pessoas? (E eles suspeitam que pode ter ocorrido com Carlos Delmonte, o perito, e talvez tenha atingido mais 2 de 12 condenados que trafegavam num furgão na avenida Marginal, recentemente.) Enquanto isso, os suspeitos de serem mandantes do crime gozam de plena liberdade, garantida pela insistência com que os companheiros de partido de seu parente assassinado no governo federal e as autoridades policiais de um Estado governado pelo principal partido de oposição sustentam a hipótese do crime banal.
Diz-se ainda que na democracia, que Churchill garantia ser o menos pior dos regimes, todos são iguais perante a lei. Dificilmente este conceito poderá ser aplicado ao recente episódio iniciado com a entrevista do caseiro Francenildo Santos Costa a este jornal, dando conta de visitas do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci a certa mansão suspeita em Brasília, e encerrada com a demissão deste, motivada pela quebra ilegal do sigilo bancário da testemunha. De vez que o demitido, chamado de “grande irmão” (tradução literal de Big Brother, denominação do tirano bisbilhoteiro do romance 1984, de George Orwell) num lapsus linguae de seu ex-chefe na despedida dele do primeiro escalão do governo, se deu ao luxo de não depor na Polícia Federal, alegando problemas de saúde. Este jornal dá como certo o indiciamento de Palocci hoje, mas nem isso afastará o absurdo de o filho de lavadeira continuar sendo processado pela mesma autoridade por crime de “lavagem de dinheiro” e ter tido seu sigilo bancário devassado e exposto ao País inteiro. O que também ocorreu com aquele que ele diz ser seu pai biológico, o empresário Eurípedes Soares da Silva, que teve ainda a paternidade, que mantinha em segredo, revelada publicamente.
Decerto a instituição que aceite o desafio de promover o concurso para nomear esse regime – seja este jornal, a Academia Brasileira de Letras ou o recém-inaugurado Museu da Língua Portuguesa – terá alguma dificuldade para entender a natureza de um sistema político em que um agente público se esconde de um oficial de Justiça para adiar o cumprimento da obrigação comezinha de prestar contas aos fiscais legítimos de sua conduta. Em que categoria seria possível classificar um Estado que detém o monopólio do exercício da força legítima para impor o respeito à legislação vigente, mas tem entre seus agentes de alto escalão mantém esse presidente do Sebrae, Paulo Okamoto, protagonista da tragicomédia de pastel (o aumentativo seria impróprio) que foi a tentativa vã de lhe entregar uma citação no escritório onde dá expediente? Como se sabe, esse senhor, de modestos padrões de vida para o magnífico emprego de que dispõe, tentou criar dificuldades para explicar aos parlamentares da CPI dos Bingos o hábito certamente altruísta, mas pouco compreensível para pessoas menos generosas, de pagar do próprio bolso dívidas contraídas pelo presidente da República e seus familiares. Tentativa, aliás, vã, pois terminou depondo ontem, apesar de garantido por decisão do STF de dar-lhe o direito de nunca se referir a Lula, limitando-se a responder a questões sobre as denúncias de Paulo de Tarso Venceslau sobre sua participação em maracutaias em prefeituras petistas 12 anos atrás.
Não facilitará também a tarefa de denominar o regime a presença de dois assessores do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, venerável defensor de presos políticos e prestimoso conselheiro de amigos pilhados em delitos menores como rinhas de galo (caso do então marqueteiro presidencial Duda Mendonça, flagrado em delito no Rio), na entrega do documento bancário com o sigilo de Francenildo na casa de Palocci. Nunca chegou a ser esclarecida a razão dessa visita de seu chefe de gabinete, Cláudio Alencar, e do secretário de Direito Econômico da pasta sob seu comando, o dr. Daniel Goldberg. Como nos negócios públicos, já no Império Romano, usa-se adotar a exigência que o ditador Júlio César prescreveu para a própria mulher, Pompéia, “não basta ser honesto, é preciso parecê-lo”, na certa esses assessores e o próprio ministro terão de dar explicações mais consistentes que as que deram até agora. Sob pena de o foco da crise mudar de endereço, mas sem sair da Esplanada dos Ministérios.
Diante de todos os fatos acima descritos, talvez seja conveniente prestar mais atenção à denúncia da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), segundo a qual o atual governo não serve, como deveria, à lei, para usar um eufemismo, antes até de se encontrar uma definição exata e sensata para o regime que vige nesta estranha República de Santo André, Campinas, Ribeirão Preto et caterva.

 

 

©O Estado de São Paulo, 05 de abril de 2006.
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José Nêumanne Pinto

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