Posse na APH: Discurso de José Nêumanne Pinto

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Discurso de José Nêumanne Pinto

na posse na Cadeira nº 2 da Academia Paulista de História

em 1º de julho de 2015

Recentemente, Isabel, minha mulher, ou melhor, a mulher de minha vida, me convenceu a movimentar pessoalmente meu Twitter, que é administrado por Cláudia Cordeiro, viúva do grande poeta Alberto da Cunha Mello e minha web designer. Fui, então, instado a escrever um resumo do que me proponho na rede social em questão e também na minha vida. Liberdade é meu ofício, escrevi. Anteontem convidei o poeta Paulo Bomfim para esta cerimônia, por telefone, e lhe contei isso. E ele me disse: “Que belo título!” Eu, então, imediatamente resolvi começar esta prosa com vocês por essa frase que resume tudo: minha vida, minha profissão de fé, minha ideologia, minha missão como comunicador na imprensa, no rádio e na televisão… Mais ainda: o que me proponho a fazer nesta Casa. Nada procurarei fazer entre meus queridos confrades que não seja lutar pela liberdade, ou seja, contra qualquer tipo de arbítrio, censura ou agressão a este direito fundamental sem o qual homem nenhum merece a denominação de sapiens.

Ruy Martins Altenfelder (vice-presidente da APH), Paulo Casseb (presidente do Tri8bunal Militar do Estado de São Paulo) Gaudêncio Torquato (acadêmico da APH), Ney Prado (tesoureiro da APH), José Nêumanne Pinto e Luiz Gonzaga Bertelli (presidente da APH)
Ruy Martins Altenfelder (vice-presidente da APH), Paulo Casseb (presidente do Tri8bunal Militar do Estado de São Paulo) Gaudêncio Torquato (acadêmico da APH), Ney Prado (tesoureiro da APH), José Nêumanne Pinto e Luiz Gonzaga Bertelli (presidente da APH)

No entanto, liberdade só não basta. Na vida e nesta Casa preciso assumir outros compromissos e expressá-los logo de saída desta tribuna. Se a liberdade é meu ofício, amo a verdade. Casei-me com a História antes mesmo de contrair núpcias com Minha Isabelescência, historiadeusa da Vila Buarque, baronesa da Borborema e madonnella de Campina Grande. Na verdade, flerto com a História há muito tempo e, neste curto prazo que tenho de 64 anos de vida, já tive oportunidade de cruzar algumas vezes com ela. Era um adolescente de 17 anos quando ouvi num ônibus no Rio de Janeiro a transmissão da visita dos astronautas americanos, representando todo o gênero humano, à lua dos namorados. Lembro-me também da sensação de ver a história acontecendo diante dos meus olhos, em real time, como se diz nestes tempos de devoção à cibernética e à língua de Shakespeare, quando acompanhei a paralisação das linhas de montagem das fábricas de automóveis e as assembleias de metalúrgicos grevistas no ABC paulista. Ou quando acompanhei com emoção incontida o julgamento dos militares argentinos, ocasião em que também entrevistei meu maior ídolo literário, Jorge Luís Borges, em Buenos Aires. A queda da ditadura com a escolha de Tancredo Neves para presidir a Nova República foi outra ocasião destas. Assim como a fatalidade da morte do escolhido e sua substituição na presidência pelo inesperado José Sarney. A sensação de estar sendo observado pela irônica deusa Clio me acompanhou ainda ao longo da primeira eleição para o posto mais importante da política brasileira, em 1989, logo depois de ter visto pela televisão a queda do Muro de Berlim, que eu tinha atravessado antes, na Estação de Alexanderplatz.

Evidentemente, isso não faz de mim um historiador, mas me torna um atento espectador da História, com alguma participação nela. Participei da História, por exemplo, quando meu pai no jornalismo, J. B. Lemos, foi encarregado por seu amigo Marco Antônio Coelho, preso no Doi Codi, de divulgar um documento em que eram descritos e desenhados os instrumentos da tortura a que ele e seus companheiros de prisão eram submetidos. A imprensa ainda estava sob censura, quando o Jornal do Brasil publicou meu relato, ao mesmo tempo em que Ewaldo Dantas publicou o documento numa edição inteira do jornal da arquidiocese, O São Paulo, e Boris Casoy o noticiou na Folha de S.Paulo. A entrevista que fiz com Miguel Arraes, ganhando uma eleição para o governo de Pernambuco depois do exílio forçado pela ditadura, faz parte deste relicário de memórias de momentos iniciados pela emoção de que fui tomado ao ver na revista O Cruzeiro a foto de Getúlio Vargas morto com um lenço branco lhe segurando o queixo, numa coleção que meu pai guardava com zelo em minha casa, na infância do sertão. Como o pânico que senti ao acompanhar passo a passo pelo rádio no trânsito congestionado da Marginal do Tietê, que os bandeirantes paulistas usaram como via para penetrar sertões adentro, a constatação dos atentados contra as Torres Gêmeas em Nova York, enquanto pensava o que aproveitar da entrevista que eu vinha de fazer com Fernando Henrique Cardoso na biblioteca do Palácio da Alvorada.

José Nêumanne Pinto discursa na posse na APH
José Nêumanne Pinto discursa na posse na APH

O amante de Clio não morre de tédio, vocês sabem disso melhor do que eu. Mas não estou aqui para tratar do que vi ou ouvi na vida, mas para cumprir uma missão mais difícil do que registrar a história. Proponho-me a resgatá-la. Como, vocês me perguntarão. A explicação do que pretendo me força a fazer uma digressão. Há uma semana, a sra. Dilma Rousseff, reeleita no ano passado para cumprir mais quatro anos de mandato, louvou a mandioca como uma conquista brasileira. Não propriamente uma peculiaridade nossa, como a jabuticaba, mas algo que conquistamos para usufruto e gáudio da humanidade. Nascido ao lado de uma casa de farinha, como Gaudêncio Torquato, como eu testemunha do funcionamento de muitas bolandeiras no sertão de minhas origens, a mandioca nunca foi para nós um elemento estranho. Minha avó materna, dona Quinou, me alimentou nas férias que passava na casa dela, onde nasci, com tapiocas (tão saborosas quanto as feitas por Maria Betânia Pimentel de Castro, minha sogra, tem feito no café da manhã lá em casa por estes últimos dias) e beijus de sabor tão inesquecível quanto as madeleines de que fala Marcel Proust em À La Recherche du Temps Perdu. Ainda assim, nem essas minhas idiossincrasias nem meu afeto pelo simpático Aldo Rebelo, ministro de Dilma e grande incentivador do culto – e não tanto do cultivo – à mandioca, me permitem interpretar a constatação presidencial como algo a ser encarado como mais de que uma nova patacoada de sua verve insustentável. No discurso em homenagem à mandioca, à bola de folhas de bananeira e às mulheres sapiens, seja lá o que for isso, a presidente me alertou para a necessidade de travar o bom combate da recuperação das qualidades da língua que minha mãe me ensinou a falar e a escrever nas noites quentes do sertão antes que a flor inculta e bela do poeta Olavo Bilac se transforme num erva daninha estúpida e feia.

Na condição de ocupante da cadeira de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, antes ocupada por Epitácio Soares, meu companheiro de redação no Diário da Borborema, na Academia de Letras de Campina Grande, e da cadeira de Augusto dos Anjos, antes honrada por Altimar Pimentel, na Academia Paraibana de Letras, sempre combati o populismo gramatical. Certa feita, o professor Ivan Teixeira, da USP, me lembrou que o Conde Almeida Garrett também costumava submeter advérbios a flexões de gênero quando critiquei o ex-presidente Luiz Inácio da Silva por ter criado o neologismo “menas”. Respondi-lhe que certamente Lula não se inspirou em Garrett para fazê-lo. Irreverência à parte, mesmo não tendo legitimidade acadêmica para fazê-lo, sempre reconheci que o povo faz a língua e, se não a fizesse, ainda hoje falaríamos o latim vulgar das feiras medievais, não tendo chegado ao português de Luís de Camões pela via do galaico-português. Mas acho necessário manter a língua canônica (palavra que prefiro a erudita, que me parece meio esnobe) para preservar os tesouros culturais nela expressos. Acho que a posição populista de corrigir erros gramaticais em textos escritos é excludente, pois impede o acesso do povo mais humilde e iletrado aos tesouros literários que pertence a todos – e não apenas aos letrados.

Por isso, peço que me permitam citar o excelente artigo de minha colega Rosângela Bittar no Valor Econômico de hoje, que acabo de ler, para esclarecer não apenas meu combate contra a bastardização da última flor do Lácio, se me permitem neologismo talvez tão inválido quanto o “menas” do padim Lula, mas também para chegar ao ponto que preciso lhes esclarecer sobre o bom combate da salvação de nossa história. Rosângela cita outra colega, Dad Squarizi, que milita há muito tempo na imprensa brasiliense travando a inglória batalha de tentar manter a graça e a glória da língua de Eça de Queiroz e Machado de Assis. Em resumo, Squarizi lembra que o erro mais elementar é o de grafia, o mais frequente é o da sintaxe, mas o pior de todos, o mais terrível, como ela diz, é o da falta de lógica, que aleija o argumento, o pensamento, o conceito. É nesse erro que deseduca que mais a mulher que pretende ser mestra de uma “pátria educadora” incorre. Os jornais evitam repeti-los, mas o blog do Palácio do Planalto insiste em manter os discursos da presidente incólumes com todos os seus absurdos, as suas grosserias e os seus barbarismos. Não perderei tempo em citá-los, tão repetidos eles são nas alocuções dela.

Prefiro aproveitar o pouco tempo que me resta indo “direto ao assunto”, como sempre prometo em meus comentários na rádio Jovem Pan e na TV Gazeta, em cujos noticiários faço comentários. No meio daquilo que o primeiro editorial do Estado de S. Paulo de hoje define como Festival de Besteira que Assola o País, o Febeapá, de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, dona Dilma acaba de cometer nos Estados Unidos equívocos mais grosseiros e daninhos à História do que idiotices como impor presidenta no lugar de presidente o são. Stalin costumava retirar inimigos como Trótski da iconografia da revolução russa. Os nazistas de Hitler queimavam toda a produção cultural que contradissesse sua ideologia. A Inquisição católica estabeleceu um index proibitorum para vedar publicações que considerava heréticas. Lula recentemente adotou esse tipo de postura ao negar que me conhecia, tentando desqualificar meu livro O que sei de Lula, editado pela Topbooks em 2012. Com isso, ele quis impor a condição sine qua non de conviver com o tema a quem quiser escrever sobre qualquer personagem. Ou seja, o cubano Leonardo Padura, que entrevistei para o Roda Viva, da TV Cultura segunda-feira, não poderia estar fazendo o sucesso que faz com seu magnífico El hombre que amava los perros, sobre o assassinato de Trotski por Ramón Mercader a mando de Stalin, porque não conheceu nenhum deles e nasceu depois de 1940, quando ocorreu o crime em Coyoacán.

O que Dilma acaba de fazer na Casa Branca e na presença de Barack Obama, que nada tinha que ver com o peixe, é muito pior do que isso tudo. Dilma submete a história do País que preside à ignorância, à dislexia e à falta de escrúpulos, atribuída à esperteza política, que são apenas dela própria. Ela se atribui com a faixa presidencial o poder de reescrever nossa História. Atingida pela delação premiada, figura jurídica válida do Direito Penal depois de lei que ela mesma assinou, ela resolveu desqualificar o delator, misturando tempos, conceitos e significados semânticos. Sobre isso Rosângela Bittar, citando Dad Squarizi, escreveu definitivamente melhor do que eu mesmo o faria. Ainda assim, tentarei retomar o tema para pô-los a par do caminho que quero fazer até a conclusão.

Para isso, peço vênia para submetê-los ao sacrifício de ouvir um raciocínio, se é que se pode chamar isso por esse nobre nome, dela. Ela disse exatamente o seguinte: “Eu não respeito o delator, até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar em uma delatora. Eu resisti bravamente”. No dia seguinte, diante de Obama na Casa Branca, ela avançou no terreno movediço da história mal contada para comparar o digno, nobre e corajoso trabalho dos agentes da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do juiz Sérgio Moro com “algo um tanto quanto Idade Média”. Anteontem ela citou Joaquim Silvério dos Reis, execrado dedo-duro da Inconfidência Mineira, como antes já havia negado ao próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levi, a condição de Judas Iscariotes, o delator bíblico do Cristo. Ontem ela se queixou de “vazamentos seletivos”. Promoveu uma “mistureba” absurda e abjeta, uma espécie de Xis tudo podre em que contou a história errada em vernáculo mambembe: a ignorância a serviço da impunidade e do pior tipo de marketing político. Rosângela Bittar bateu pesado, ao escrever: “Dilma jogou na fogueira de São Pedro, dia 29 de junho, sua biografia de presa política e torturada. Confundiu-se e confundiu. Misturou torturador com procurador, delação por tortura com delação como instrumento de justiça para chegar ao crime e aos criminosos”. Como diria Nélson Rodrigues, “batata”. E eu ainda diria mais: a candidata a madre superiora nos “ensinou” que Tiradentes equivalia aos petroleiros ladrões, políticos corruptos e empreiteiros corruptores, que se refestelam no chiqueiro do “petróleo” julgado na Lava jato. Ou que, ao contrário, esses réus, entre os quais ela e o padim Lula de Caetés podem vir a ser incluídos, é que são comparáveis ao protomártir da independência do Brasil.

Se essa senhora tivesse o mínimo respeito pelo público que a elegeu e paga seu sustento e pela história do país que governa e governará por mais três anos e meio, ela teria também mais sensibilidade para não misturar os alcaguetes das quadrilhas de traficantes com delatores que não tiveram a “bravura” dela por não terem resistido às humilhações e à dor física da tortura. Pessoalmente, peço-lhes licença para dizer que duvido dessa “bravura” toda, não por pensar que ela possa ter delatado. O que sinceramente acho é que ela tinha pouco a delatar, pois não foi uma combatente de mão armada, como alguns companheiros de guerrilha, mas uma simples “vivandeira”, que varria, lavava a roupa, fazia a comida e atendia a outras necessidades dos combatentes com os quais compartilhava os “aparelhos” em que todos se escondiam. Mas isso pouco importa diante do fato que somente uma pessoa desprovida de qualquer humanidade pode atribuir ao delator torturado o protagonismo da delação sob tortura. O que quero dizer eu já disse com todas as letras no comentário que fiz no Jornal da Gazeta de ontem: essa senhora preside esta República sem ter a noção mínima de que execrar incondicionalmente qualquer delator equivale a justificar a ação do torturador e, em última análise, a tortura. Misturar queima de bruxas na Idade Média com processo jurídico com direito de defesa só por temer as consequências do que for delatado é tão fora da lei que o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e ex-relator do mensalão Joaquim Barbosa considerou, como escreveu em seu Twitter, um “crime de responsabilidade”. Ele escreveu e aqui está dito.

Mas foge à alçada deste discurso. O que quero dizer nesta posse solene é que assumo o compromisso também solene de tentar manter a história nos trilhos lutando contra toda a máquina de propaganda que nosso Estado distorcido e assaltado tenta descarrilar sob o patrocínio de uma chefe de governo absolutamente destrambelhada. Gostaria de poder fazê-lo na cátedra. Mas não tenho vocação nem experiência para tanto. Sou filho de professora. Minha mãe, Mundica Ferreira Pinto, formou-se na Escola Normal de Cajazeiras, no sertão da Paraíba. Também o é minha mulher, Maria Isabel Pimentel de Castro Pinto, e ai de mim se não me lembrar de usar o Pimentel, de vez que é o sobrenome da sogra, a também mestre-escola Maria Betânia, que veio de Campina Grande para me ouvir. Isabel está fazendo doutorado em história econômica na USP sob orientação de José Jobson de Arruda, autor de compêndios de História que ela compulsou no ginásio. Isabel tem testemunhado momentos de encantamento assistindo às aulas de Jobson. Ela não é a única. Ele é famoso no Brasil inteiro por sua atuação em classe. Eu a invejo porque testemunha isso. E o invejo ainda mais por não saber ensinar. Então, está fora de questão e é fora de propósito que eu venha militar pelo resgate de nossa história numa sala de aula. Também não posso exercer o sacerdócio de minha amiga e agora confreira Alzira Lobo instruindo futuros doutores em História em cursos de pós-graduação. Falta-me o talento de argumentador de Gaudêncio Torquato, primo, amigo, colega e agora confrade. O que me resta, meu querido amigo Bertelli, meu caro Rui Altenfeder, prezado Sales Gaudêncio, é exercer a profissão de jornalista e comunicador, além de acadêmico, intelectual e poeta para carregar as metralhadoras verbais de Jobson, Isabel, Alzira, Sales e Gaudêncio, que me honrou ao discursar recebendo-me aqui, com a pólvora de meus tiros verbais disparados no jornal, no rádio e na televisão.

Aqui estou no lugar certo. E quando digo lugar certo me refiro à Academia e também a São Paulo. Não nasci aqui, mas aqui fui recebido como se filho fosse. Não foi a primeira vez que isso me ocorreu. Quando comecei em jornal na Rainha da Borborema, também fui adotado. Se vocês me permitem, posso apelar para outra digressão, contando-lhes que aportei neste Planalto de Piratininga no inverno de 1970. Então, morava no Rio de Janeiro e passava os fins de semana aqui. Num deles, conheci o poeta Eurícledes Formiga, por coincidência egresso do mesmo sertão do Rio do Peixe, um rio na verdade, mas sem peixe, pois nem água tem. Em memória dele beijo aqui as mãos da viúva, Anabel, xará de Anabel Lee, musa de Edgar Allen Poe, e de seus filhos Miguel e Quito, autor do projeto do título de Cidadão Paulistano, que a Câmara Municipal me concedeu em 2010. Formiga me levou a Cláudio Abramo na Folha de S.Paulo e fez de mim jornalista, que era o que eu queria ser. Mas não era tudo o que eu queria ser. Como Francesc Petit, brilhante publicitário, perseguiu a glória de ter a fama de seu patrício Joan Miró como pintor; como o maior jogador de futebol de todos os tempos, Pelé, que queria ser mesmo era compositor e cantor, eu ainda quero ser reconhecido como escritor, poeta, intelectual. Meu livro O silêncio do delator, título que hoje realiza o sonho institucional de nossa “presidenta”, ganhou o prêmio Senador José Ermírio de Moraes da Academia Brasileira de Letras, como melhor livro de 2004. Mas ainda quero mais. E vou perseguir esse objetivo aqui com vocês, lutando pelo resgate da história das mãos desse bando de abutres que devoram a poupança escassa de um povo pobre em nome de suas ilusões.

Professor José Jobson Arruda, professor do Departamento de História da USP, Isabel do Castro Pinto, doutoranda na USP, e José Nêumanne Pinto
Professor José Jobson Arruda, professor do Departamento de História da USP, Isabel do Castro Pinto, doutoranda na USP, e José Nêumanne Pinto

Quando sobrevoo São Paulo, vejo a obra de milhões de nordestinos que, como eu, participam da fundação desta cidade que nunca fica pronta. Meu sonho de lutar pela liberdade, amando a verdade e sendo amante da história, se realiza plenamente nesta pátria de republicanos e dos meus amados filhos Vladimir, Clarice e Cecília. Pedro, meu neto mais velho também nasceu em São Paulo, capital. Meus netos Stella, Anna e Giulio, nascidos em Milão, Itália e Nolan, em Genebra, Suíça, têm também a ascendência paulistana de suas mães. Não me refiro especificamente aos militares positivistas que depuseram o imperador precocemente envelhecido para levar ao poder um militar monarquista e enfermo, depois substituído por outro soldado alagoano com delírios de grandeza. Refiro-me aos mártires republicanos de 1932 Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo que lutaram praticamente desarmados para impor uma ordem constitucional que até hoje os poderosos que assomam ao poder tentam submeter aos próprios caprichos. Refiro-me à Universidade de São Paulo, verdadeira ágora educadora de uma pátria sem a mínima educação. O convívio com Isabel, que é a melhor coisa que experimentei na vida, mas infelizmente, por motivos pessoais e egoístas, não recomendo a nenhum de vocês, tem sido um exercício permanente de amor e admiração sobre o que ainda se produz de bom naquelas paredes rabiscadas por grafites nem sempre publicáveis. A pró-reitora Maria Arminda Arruda saberá muito melhor do que eu transmitir essa sensação de orgulho que minha amada mulher sente ao pertencer a essa grei. Refiro-me ainda aos colegas que construíram em mais de um século uma tradição de luta pela liberdade no jornal O Estado de S. Paulo, em cujas páginas aprendi a encontrar a resistência dos maquis lendo até versos dos Lusíadas ou receitas de acepipes que ninguém conseguirá provar – o que levou muitos leitores a reclamar.

Ser acadêmico é um título de nobreza do qual me orgulho. Mas me orgulha mais ainda ser de uma Academia Paulista de História, que foi de José Sebastião Witter e agora também é minha. Desde que conheço Isabel que aprendi a venerar figuras uspianas como Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Leôncio Martins Rodrigues, José Augusto Guilhon, Antônio Cândido, Celso Lafer e Fernando Henrique Cardoso. Conheci-os todos, com alguns deles convivi. Conheci também Witter, em quem Sérgio Buarque depositava justíssima confiança; Orgulha-me mais agora estar aqui sentado na cadeira dele, cumprindo meu plantão. Witter deixou sua marca na cultura paulista lutando pela preservação de sua memória no Arquivo do Estado. Ele não está mais entre nós, mas sua obra permanece, assim como seu exemplo.

Maria Betânia Pimentel de Castro, mãe de Isabel, José Nêumanne Pinto e Maria Isabel de Castro Pinto na posse na APH
Maria Betânia Pimentel de Castro, mãe de Isabel, José Nêumanne Pinto e Maria Isabel de Castro Pinto na posse na APH

Assim como o mestre de Moji das Cruzes dedicou a vida a evitar que documentos históricos fossem devorados pelas traças e, pior ainda, pela insensibilidade de nossos quase sempre vorazes homens e mulheres sapiens e públicos, espero dar minha contribuição à preservação dos fatos históricos verdadeiros. À sombra dele, ambos sentados na cadeira cujo patrono é Hermann Friedrich Julius Meili, travaremos aquilo que Saulo de Tarso, o homem que inventou o amor tal como o conhecemos hoje, chamava de “o bom combate” contra os insetos que fazem da mentira lucro podre. Não tenho os dons diplomáticos nem o amor pela moeda que nosso patrono tinha, mas espero dar uma contribuição, por mínima que seja, para que nossa História não seja distorcida e aparelhada para servir aos interesses de canalhas que usam o dom de iludir para se dar bem na vida e prejudicar a sobrevivência dos outros.

Como escreveu o citado professor Jobson no resumo de uma aula que deu e à qual Isabel compareceu, Clio “não registra apenas o tempo que passou na água que escorreu [passado], ou na água que escorre [presente], mas também  naquela que escorrerá [futuro], no fundo sua meta principal, ou seja, o julgamento da posteridade que garantirá a entronização dos fatos e feitos dignos de memória no panteão da História”. Portanto, estarei cumprindo uma missão dela se conseguir o que proponho.

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