Waldomiro Diniz está solto e o caseiro Nildo perdeu a esperança
Ao ser informado da nova onda de atentados do Primeiro Comando da Capital (PCC) em território paulista, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, criminalista que fez fortuna pela notória competência profissional, não perdeu a chance de tirar uma casquinha na candidatura oposicionista à Presidência: afirmou que tudo seria diferente se o governo de São Paulo, nas mãos da oposição, tivesse aceitado a ajuda da União por ele oferecida. Seria absurdo, se não fosse simplesmente patético! Se estivesse o governo federal, de fato, disposto a ajudar o cidadão por intermédio das autoridades estaduais) na guerra contra o crime organizado, não teria contingenciado 58% das verbas orçamentárias para o tal Fundo Nacional de Segurança Pública e faria funcionar qualquer coisa que pudesse ser definida como um sistema minimamente eficiente para impedir o contrabando de drogas e armas por nossas indefesas fronteiras nacionais.
O mais recente (e, aparentemente, longe de ser o último) ataque, com idênticas sistemática terrorista e ousadia, do crime organizado, desafiando a autoridade constituída para reprimi-lo, expôs, num piscar de olhos, a evidência de que não se impedirão novos atentados com promessas vazias nem com mudanças tópicas, mas, sim, com medidas duras e efetivas. Não vai ser substituindo, como fez o governo do Estado, o secretário da Administração Penitenciária que a polícia de São Paulo, cujo chefe, Saulo de Castro Abreu Filho, é desafeto do ex-titular e cujo desempenho se mede pelo pífio índice de solução de apenas 2,5% dos crimes de morte de autoria desconhecida, se tornará, de súbito, competente. Nem é tirando da gaveta projetos para endurecer a legislação penal e amealhar votos na eleição que o Congresso cumprirá seu dever de representar corretamente a sociedade, nesta hora em que o cidadão é ameaçado pela sanha da bandidagem. Pois, pelo mesmo objetivo (a disputa dos votos), esses textos já voltaram às gavetas, e em velocidade ainda maior.
Urge é agir em São Paulo, e no Brasil inteiro, como a Polícia Federal fez em Rondônia: apurar, investigar e processar os maus cidadãos que se aproveitam de mandatos eletivos ou de cargos de decisão nos três Poderes da República para delinqüir, protegidos pela força que têm – e é tanta que lhes garante impunidade total. Desde que a aritmética da representação política deu aos despovoados Estados do Norte poder desproporcional à sua importância sob qualquer ângulo – demográfico, econômico ou político –, era só uma questão de tempo que o crime organizado não apenas promovesse uma autêntica ocupação dos três Poderes nesses Estados como também viesse a exercer influência decisiva na gestão dos negócios republicanos. Essa prisão de chefes de Poderes naquela unidade da Federação é o resultado lógico do processo iniciado na motosserra com que o coronel Hildebrando Paschoal retalhava os temerários que o desafiavam.
O ministro Bastos e o presidente Lula têm todo o direito de se orgulhar do êxito do trabalho da Polícia Federal (PF), sob seu comando. Pena é que esse órgão da administração direta federal não esteja sendo tão eficiente no combate que lhe cabe ao tráfico de entorpecentes e ao contrabando de armas, atividades fundamentais sem as quais o PCC não teria o poder e a força de que dispõe.
A série de operações bem-sucedidas da PF, desbaratando quadrilhas de colarinho branco em Estados pequenos e distantes dos centros de produção e consumo da economia nacional, dá ao presidente, em campanha para se reeleger, excelentes argumentos para convencer o eleitor a mantê-lo no trono. “Nunca antes, em tempo algum”, a PF prendeu tanto bandidão importante e foi tão eficaz. Nada mais conveniente neste instante em que os assassínios de Celso Daniel e Toninho “do PT”, o “mensalão”, o “valerioduto” e a máfia das sanguessugas disseminam a incômoda sensação de que a corrupção campeia, impune e incólume, no território nacional. E, até certo ponto, nada mais justo: essa caçada às ratazanas que se locupletam no Estado brasileiro tem seus méritos.
Infelizmente, contudo, para o contribuinte, que paga as contas públicas com impostos escorchantes sem receber serviços decentes nas áreas vitais da saúde, da educação e da segurança, e para o eleitor, de quem foi furtada até a fé no futuro, a PF do dr. Bastos e de Lula continua a dever algumas explicações. Por que os agentes que aterrorizam os meliantes de Rondônia dão indulgências plenas ao ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci e, com isso, frustram a esperança de Francenildo Santos Costa, o caseiro Nildo, que teve o sigilo bancário quebrado e a intimidade familiar devassada por subalternos daquele figurão petista? Sim, pois vê o ex-ministro gozar de liberdade total e disputar, com reais chances de êxito, um lugar na casa em que se fazem as leis no Estado de Direito, cujo funcionamento em tese garante a igualdade a todos.
É possível aceitar a argumentação de que o caso Nildo-Palocci é recente e doar ao ex-ministro o benefício da dúvida. Mas o que dizer de Waldomiro Diniz, o ex-lugar-tenente do governo Lula nas relações com o Congresso? É público e notório que esse senhor foi filmado e gravado “achacando” um empresário da jogatina. E até hoje a Polícia Federal, que tanto orgulho merecidamente desperta no dr. Bastos e em seu chefe, Lula, não conseguiu produzir um relatório capaz de prover o Ministério Público de informações suficientes para pedir a instauração de um processo criminal contra o réu, mais que óbvio, confesso.
Por que o ministro da Justiça, em vez de se empenhar tanto para promover desfiles de tanques nas ruas de São Paulo, não arma para as ratazanas do cerrado ratoeira idêntica à usada por seus subordinados para pegar esses camundongos da floresta?
© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 9 de agosto de 2006