O mundo é dos tolos?

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No domingo em que o César, imperador do Planeta globalizado, George W. Bush, foi hóspede de seu colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, o jornal carioca O Globo publicou na primeira página uma daqueles charges do genial Chico Caruso, que valem pelos editoriais dos jornais e até por capítulos de livros de História. O cartunista glosou a campanha publicitária do governo federal, adaptando um velho bordão popular (“calma que no Brasil é nosso”) e o slogan oficial (“o Brasil é de todos”) para “calma que o Banco do Brasil é nosso” e “o Brasil é de tolos”. Baseada no noticiário sobre a descoberta da CPI dos Correios de que R$ 10 milhões do “valerioduto” saíram do cofre da Visanet, subsidiária do BB, diretamente para a conta do PT, administrado por Delúbio Soares, a piada coincidiu com a visita mais sem graça que um sucessor de George Washington fez à Nação, que segundo outro antecessor dele, levaria junto a América do Sul, cada vez que se movesse. Atribuir isso tudo a uma mera e fortuita coincidência seria ter em pouca conta os sabidos motejos irônicos da deusa da História.

De qualquer maneira, vale a pena relembrar outras visitas que, se não melhoraram as relações sempre próximas, mas não poucas vezes complicadas, entre os dois parceiros, pelo menos produziram boas piadas. É clássica a anedota do mútuo cumprimento entre o vencedor da guerra, Harry Truman, que ascendera à Casa Branca com a morte do lendário Franklin Delano Roosevelt, e o Marechal Eurico de Gaspar Dutra, líder das Forças Armadas no Estado Novo e primeiro presidente eleito diretamente por todo o eleitorado desde a Revolução de 1930, que deu o voto às mulheres. De Dutra cultivava-se a fama de ser fiel à Constituição, à mulher Santinha e a uma certa encantadora ingenuidade de caserna. Dizem que o encontro deu-se assim:

– How do you do, Dutra?

– Tu tu ru tru tru, Truman.

Em outra visita, embora o protagonista nacional fosse de novo uma alta patente do Exército nacional, a batatada coube ao visitante, não ao anfitrião. E, então, o caso não resultou do bom humor criativo de algum habitante destes nada tristes trópicos, mas foi registrado nos jornais, arquivado e passado para as páginas da História. O canastrão Ronald Reagan, que com seu projeto bélico “guerra nas estrelas” destruíra o poderio militar e a integridade do império soviético, desejou toda a felicidade do mundo a este bravo povo da Bolívia, eximindo-se, pelo menos, da clássica patacoada do gringo ignorante que era transferir a capital brasileira para Buenos Aires. Meno male!

A última boa anedota, esta possivelmente não histórica, entre presidentes de Brasil e Estados Unidos, tem como cenário Washington e os protagonistas são os mesmos da visita sem graça a Brasília. Consta (e o próprio Chico Caruso registrou em seu traço impagável) que teria sido travado entre os presidentes o seguinte diálogo:

– Oh, Bush, me desculpe, mas eu não falo inglês.

– Não tem problema, Lula. Eu também não falo.

Com o malogro da Alca, que os americanos querem impor e para a qual os brasileiros torcem o nariz, e sobretudo com o incômodo noticiário sobre uma futrica da Corte em que a alta assessoria da cúpula presidencial da maior potência do Ocidente entregou a uma jornalista alpinista a identidade secreta de uma espiã, o hóspede não devia mesmo estar para gracinhas. Menos ainda o anfitrião, obrigado a repetir com insistência irracional todo seu acervo vocabular de negativas para tentar deter a corrosão do extinto patrimônio ético de seu partido e de seu governo.

Por mais que se lamente, porém, a falta de resultados práticos, seja no campo comercial, cultural ou diplomático, seja na produção de uma boa anedota para contar no botequim, a visita de Bush a Lula trouxe pelo menos uma dúvida: acumulam-se evidências de que este é mesmo um país de tolos (embora não todos). Mas seremos só nós?

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e autor do romance “O silêncio do delator”

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