No Estadão: Tucanos dão tiro na pata

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Petista infiltrado ou direitista, quem exige golpe militar na rua precisa ser identificado

O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), coordenador jurídico da campanha de Aécio Neves para a Presidência da República, pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) “auditoria especial” sobre o resultado da eleição para presidente. O pedido foi criticado pelo corregedor-geral Eleitoral, João Noronha, e considerado “de imprudência a toda prova” pelo procurador-geral Eleitoral, Rodrigo Janot. Não ficou claro até que ponto o maior partido de oposição pode ser responsabilizado pela iniciativa. No PSDB ninguém a avalizou, mas também ninguém a desautorizou.

Foi correta a reação discreta de Janot, mas Noronha poderia limitar-se a jogar a petição no lixo, em vez de, irritado, de forma imprópria para o caso e para seu cargo, fazer comparação indevida: “Não somos a Venezuela, a Bolívia. O Brasil é um país democrático, e temos uma Justiça Eleitoral democrática”. Ele se imiscuiu nos negócios da economia interna do partido interessado: “Não acredito que Aécio esteja por trás disso”. E se excedeu ao considerar que o palpite infeliz “é muito negativo para a imagem do processo eleitoral e para o processo democrático”. Ninguém precisa arvorar-se em defensor do coordenador jurídico da campanha tucana para estranhar a reação do corregedor. Bastava-lhe destinar o desatino a seu lugar, o lixo, calar e embarcar para Nova York.

O destempero do corregedor não obscurece, contudo, o óbvio tiro na pata que os tucanos dispararam tanto ao dar entrada na petição tendo como base fofocas de rede social quanto por não terem esclarecido quem no partido avalizou esse tresloucado gesto. Se foi uma atitude isolada, que tivesse sido imediatamente desautorizada. De qualquer maneira, já que o tiro foi dado e não se pode dizer que a pata do PSDB tenha sido quebrada por efeito dele, é o caso de aproveitar a “inoportunosa ensancha” para deixar claro que oposição precisa ser feita com coragem, objetividade e, sobretudo, suor. Pois exige de quem a faz muita responsabilidade. E ainda extremado apego aos fatos.

Deste honroso espaço em página de jornal, este escriba, acusado de pertencer ao Partido da Imprensa Golpista (PIG), clamou no deserto de moral e civismo em que se transformaram a prática política e o exercício do poder dito republicano no Brasil pela maior responsável por mantê-los em alta, a presidente da República. Candidata à reeleição, Dilma Rousseff, do PT, convocou uma rede nacional de rádio e televisão, recorrendo à força do cargo, para fazer campanha para a reeleição louvando os próprios feitos a pretexto, por exemplo, de celebrar o Dia do Trabalho – episódio lembrado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em entrevista à Folha de S.Paulo.

Sua Excelência Excelentíssima fez campanha ao anunciar benefícios para empregadas domésticas, que até hoje não se empenhou em tornar factíveis. Calçou as chuteiras da Pátria quando seu conhecimento de arquibancada, adquirido quando acompanhava o pai ao Mineirão para torcer pelo Atlético antes até de o estádio existir, indicou ser oportuno. E logo as descalçou quando os alemães mandaram os anfitriões pentear sete macacos com um pente só. Nenhum ministro do TSE, incluídos o corregedor e seu presidente, Dias Toffoli, pode alegar que de nada sabia. Pois ela mesma, adepta do “sincericídio” temerário, como foi mostrado na escandalosa compra da refinaria da Astra Oil em Pasadena pela Petrobrás, invocou o príncipe das trevas ao garantir que para ganhar uma eleição “a gente faz o diabo”.

Disse e fez, pois essa não seria promessa a não ser cumprida. Moeu Marina Silva, negra de origem pobre, como se esta fosse uma reles mucama da elite branca que assola o País. Depois, para provar que vovô Tancredo Neves era da mesma estirpe do ex-Paulo Maluf – antes de este apoiar Fernando Haddad, claro –, como garantia padim Lula no Colégio Eleitoral, escalpelou o neto Aecinho sem dó nem bafômetro.

Fez isso tudo sem que corregedor e presidente do TSE resolvessem dar paradeiro até que o mineirinho “cachaceiro” – conforme comprova a larga experiência no ramo de seu acusador, o mesmo patrono da presidenta (sic, pra que discutir com madame?), o padim Lula – resolveu reagir. Não se ouviu falar do corregedor, mas o presidente do TSE resolveu tornar-se o supremo inquisidor da “baixaria eleitoral” generalizada e bateu o martelo para pôr ordem no pelourinho.

Talvez o corregedor estivesse em Nova York então. Mas a imagem da Justiça Eleitoral brasileira foi maculada – e muito – na tentativa de transferir votos em branco para Moreira Franco (hoje ministro da reeleita) para derrotar o antigo líder de Dilma, o socialista moreno Leonel Brizola, na eleição para o governo do Estado do Rio em 1982. A fraude, batizada de “diferencial delta”, foi denunciada e Brizola venceu o pleito. E ele morreu certo de ter sido vítima de golpe similar para facilitar a vitória de Collor (hoje senador da base governista), abrindo passagem para Lula, e não para ele, rumo ao segundo turno, em 1989.

Nos 12 anos sob Lula e Dilma, os tucanos poderiam ter usado seu poder político para investigar a coleta e apuração eletrônicas, sob suspeita desde a manipulação tentada por Figueiredo e pelo bicheiro Anísio Abrão David no caso Proconsult. E deveria ter levado o TSE à exaustão exibindo evidências de associação de Dilma com o demo pela reeleição. Mas preferiu refestelar-se na sombra e água fresca da oposição indolente. Assim, perdeu a moral para pedir a recontagem de votos. E para fazer qualquer outra acusação sem prova. Como a do senador Álvaro Dias (PR), que atribuiu a “infiltrados” do PT apelos a golpe militar, que podem gerar no movimento contra Dilma efeito nocivo similar ao dos black blocs em junho de 2013. Não é impossível. Mas é mais provável que essa seja obra da extrema direita. E, seja devoto de Dilma ou de Bolsonaro, o sabotador deve ser identificado e apontado como inimigo da democracia.

José Nêumanne Pinto

Jornalista, poeta e escritor

(Publicado na Pag. A2 do Estado de S. Paulo da quarta 5 de novembro de 2014)

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