Apesar da deserção de Flávio Bolsonaro e das desistências de Tasso, Kátia e Eduardo, que afundaram a CPI da Lava Toga no Senado, nem tudo está perdido para quem ainda crê numa devassa no Judiciário
A notícia de que o responsável pelas finanças da campanha vitoriosa da então presidente Dilma Rousseff, do PT, à reeleição, em 2014, Antônio Palocci, confirmou delação premiada anterior, feita pelo marchante Joesley Batista, de que o dono da JBS teria aberto uma conta no exterior em nome dela para depositar propinas animou todos quantos não aceitam sua impunidade, até agora mantida. Mas o caso é muito mais complexo do que aparenta e não deverá ter como desfecho tão cedo a prisão da ex-presidente, que muitos de seus correligionários petistas passaram a temer.
Há muitas dúvidas ainda a serem dirimidas em relação aos dois delatores citados no parágrafo anterior. Qualquer brasileiro dotado de um mínimo de bom senso deve estar alerta para muitas complicações em relação à primeira delação que citou Dilma, que, por enquanto, continua livre, leve e solta. Refiro-me especificamente ao que se arvora em pagador das propinas depositadas na conta aberta no nome dela no exterior. É evidente para muitos brasileiros que o prêmio dado pelos procuradores da República, sob a égide do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, a Joesley Batista foi claramente exagerado. O colega Marcelo Godoy, repórter da área policial no Estado, publicou reportagem em que fez um cálculo de mais de 200 anos de pena para o goiano. E este se deu ao luxo de bancar o espertinho, poupando quem quis na própria delação. Certamente instruído por seus advogados, entre os quais oentão procurador da República Marcello Miller, que bancou o quinta-coluna, entregou mesmo, como o faria depois Palocci, a existência de contas correntes no exterior, abastecidas pela JBS e usufruídas pelos dois ex-presidentes petistas. Mas se deu ao desplante de não indicar o caminho das pedras, como se diz na gíria, sem o que não há como obter provas dessa movimentação financeira pra lá de atípica. Nenhum brasileiro decente e minimamente inteligente engoliu essa troca e até hoje ninguém deu explicações satisfatórias para ela. Nem o delator, que nunca contou como ascendeu de herdeiro de um açougue de duas portas em Anápolis (GO) para maior produtor e comercializador de proteína animal, com o controle de 80% do mercado mundial. A Batista cabe outorgar o galardão de primeira “omissão premiada” do Brasil.
Até hoje o acordo da delação de Joesley e Wesley Batista está suspenso, à espera da definição do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde a época em que começou a ficar claro que a gravação de sua conversa com o então presidente Michel Temer na garagem do Palácio do Jaburu tinha sido uma armação do petista Janot para comprometer o ex-vice, ficou a suspeita de que o traidor da titular da chapa vencedora em 2014 foi traído.
Sabe-se ainda que o também delator premiado Ricardo Saud, da J&F, percorreu os corredores do Senado em busca de votos favoráveis ao professor Luiz Edson Fachin. Relator da Lava Jato, este manteve seu estilo discreto de sempre e nunca deu explicações “plausíveis” (como diria o senador Flávio Bolsonaro) desse fato corriqueiro na busca de sua aprovação pelos senadores quando foi submetido à sabatina de praxe.
Enquanto isso, Palocci vendeu seu peixe e conseguiu fechar delações com a Polícia Federal e equipes do Ministério Público Federal das Operações Greenfield e Bullish, em Brasília, bem distante de Curitiba, onde mora na cadeia, nas proximidades do ex-chefe Lula, embora sem o mesmo conforto. Nas três delações, o ex-prefeito petista de Ribeirão Preto segue o mesmo estilo de vendedor de terrenos no fundo do mar. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba sempre duvidou de sua intenção honesta de colaborar com a Justiça, desconfiando que ele poderia ter vendido um silêncio seletivo. Na audiência em que se ofereceu ao chefe da operação, o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, este expôs francamente a desconfiança de que o ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma poderia estar usando a promessa de revelações importantes como ameaça a grandes empresários, políticos, burocratas da alta aristocracia republicana e executivos das estatais das quais eram originadas as propinas pagas com dinheiro público. Resulta que nunca os procuradores liderados por Carlos Fernando de Souza e Deltan Dallagnol aceitaram fazer um acordo em que a delação do figurão do PT o favorecesse com redução de pena. Até hoje ele não cumpriu nenhuma das ameaças, percebidas por Moro, de denunciar maganões da alta burguesia nacional. Nem apresentou documentos que comprovassem a denúncia das contas de Lula e Dilma no exterior. Embora o vazamento de seu depoimento tenha posto muitos petistas em polvorosa com o temor de iminente e súbita prisão de madama.
O ex-governador do Rio Sérgio Cabral, condenado a penas que já somam 198 anos de prisão, quer delatar o Judiciário para tentar diminuí-las e proteger sua “riqueza”, a mulher, Adriana Ancelmo, mas não consegue advogado que tope a parada. A exemplo do antigo aliado Palocci, ele tem feito um périplo em busca de um profissional que aceite patrocinar sua causa, que inclui promessa de delação premiada das altas cúpulas estadual do Rio e federal do Judiciário. Está ficando claro que os habilitados para essa tarefa não se dispõem a pôr em risco suas bancas e sua carreira à vingança eventual dos maiorais de nossa injustiça togada. Esperava-se que, já que patrocina causas com delação premiada dos doleiros Juca Bala e Tony, o doutor Márcio Delambert se dispusesse a fazer o que outros não tentaram. Mas ele próprio fez questão de garantir a O Globo que esse passo não estavanos planos dele nem nos do cliente. Antes do atual advogado, Luciano Saldanha, Fernando Fragoso, Ary Bergher e Rodrigo Roca haviam abandonado Cabral, preso desde novembro de 2016, réu em 26 processos e condenado em nove deles. João Bernardo Kappen pulou fora antes de participar da defesa.
O último passo atrás nas tentativas de investigar ministros dos tribunais superiores foi dado pelo senador Delegado Alessandro Vieira ao tentar recriar a CPI da Lava Jato no Senado, mas este caiu por falta de assinaturas, depois de Tasso Jereissati, Kátia Abreu e Eduardo Gomes desistirem e Flávio Bolsonaro desaparecer do Brasil e do noticiário.
Agora surgiu uma novidade. No domingo 17, Lauro Jardim, colunista de O Globo, publicou a seguinte nota: “A volta a campo anteontem da Lava Jato fluminense, prendendo Régis Fichtner, ex-secretário de governo de Sérgio Cabral, foi só um aperitivo do arrastão previsto para as próximas semanas”. Secretário da Casa Civil de 2007 a 2014, no governo de Sérgio Cabral, o citado Fichtner já tinha sido preso antes pela Lava Jato do Rio de Janeiro. Na ocasião, em novembro de 2017, Fichtner anunciou que pretendia fazer uma delação premiada e “contar casos sobre o Judiciário”. Foi solto num piscar de olhos pelo desembargador Paulo Espírito Santo, do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, na ex-Cidade Maravilhosa.
Foi Fichtner quem provocou a separação de Sérgio Cabral de Adriana Ancelmo. Ela queria indicar para ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) seu sócio Rodrigo Cândido de Oliveira. Dilma Rousseff havia prometido essa indicação ao aliado Sérgio Cabral, mas, no fim, Regis Fichtner venceu a parada, indicando para o STJ o cunhado Marco Aurélio Bellize. Desde então, Adriana Ancelmo e Regis Fichtner são inimigos.
Foram os pés de Adriana Ancelmo que o ministro do STF Luiz Fux beijou agradecendo o apoio de Sérgio Cabral à candidatura dele à Suprema Corte. A ex-primeira-dama foi condenada a 18 anos de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. Mas vive soltinha da Silva, ostentando uma tornozeleira eletrônica.
O motivo da recente prisão do mesmo Regis Fichtner pela Lava Jato do Rio de Janeiro foi ter ele movimentado muito mais dinheiro do que o R$ 1,6 milhão descoberto pela operação, motivo da primeira. Essa novidade deixa o Judiciário em pânico. Se o cunhado do preso, Bellize, com sua influência já comprovada, não mandar soltá-lo novamente, será iniciada uma corrida entre Sérgio Cabral e seu ex-chefe da Casa Civil para ver quem delatará a cúpula do Judiciário primeiro.
Em nome do Regis, do Bellize e do Espírito Santo, amém. Olha a Lava Toga aí, gente!
José Nêumanne Pinto
*Jornalista, poeta e escritor
(Publicado no Blog do Nêumanne desde segunda-feira 18 de fevereiro de 2019)
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