José Nêumanne
Não é sensato que o desgoverno assassino de Bolsonaro passe uma borracha sobre a roubalheira do PT e de seu líder máximo, apostando na corrupção que quase levou Petrobrás à bancarrota
Em entrevista ao jornal francês Le Monde, repercutindo a higienização de sua ficha suja moral e política pelo petismo nostálgico do relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, o ex-presidente Lula contou que pode ser candidato ou apoiar outro pretendente qualquer da banda soit-disant
A entrevista do petista ao jornal, assumido simpatizante das convicções de esquerda na França, deu-se após a Justiça de lá haver condenado Nicolas Sarkozy a três anos de prisão por corrupção e tráfico de influência. A sentença do barão da direita gaulesa destacou que o réu usou o status de ex-presidente para oferecer ao juiz Gilbert Azibert uma polpuda boquinha no paraíso mediterrâneo de Mônaco em troca de informações confidenciais sobre uma investigação contra ele, como registrei no artigo Lula limpo interessa a Bolsonaro, publicado no blog em 8 de março.
Aqui, no Brasil, promessa de indicação para obter vantagem da Justiça não dá em nada. Ou pelo menos nunca deu. Basta relembrar que foi o próprio Lula quem indicou o criminalista Márcio Thomaz Bastos, seu ex-ministro da Justiça, para desmanchar a Operação Castelo de Areia, protagonizada pela empreiteira corrupteira Camargo Corrêa. Esta, nunca esqueçamos, se tornaria o embrião da Lava Jato, ora tendo destino similar.
Conforme revelou o figurão do PT Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma, a tal foi anulada pelo então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Asfor Rocha em troca da promessa de uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), feita por Bastos em pessoa. Parodiando o caso francês, seria um mega-Sarkozy, considerando que promoção para o STF ocorreria com a participação direta de Luiz Inácio. Pois ele tratava Dilma de “querida”. Ou seja, Lula instituiu na república insana a troca de promoções por decisões. Seria o caso de dar o peso de um Sarkozy a cada indicação do ex-governador Sérgio Cabral para desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio; um kilo-Sarkozy, a nomeação de Marco Aurélio Bellizze para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo mesmo. E de um mega-Sarkozy a promoção para o Supremo Tribunal Federal (STF), gorada, pois Dilma nomearia Luiz Fux.
As investigações que apuram os pagamentos de propinas ao ex-presidente do STJ César Asfor Rocha, denunciadas por Palocci, estão paralisadas e os autos encontram-se em sigilo legal. Sigilo legal é o instrumento de esconder ações criminosas do controle da sociedade e tornar inoxidáveis esquemas da venda de impunidade, só viáveis no escurinho. Como disse o juiz da Suprema Corte norte-americana Louis Brandeis, em 1914, “a luz do sol é o melhor desinfetante.”
À época de Bastos no Ministério da Justiça de Lula, o STF foi grampeado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Uma conversa banal de Gilmar Mendes com o então senador Demóstenes Torres tornou-se pública na Veja. Sob Lula, a Polícia Federal (PF) não investigou e nada concluiu, arquivando a investigação sem ter apreendido sequer uma gravação. Diz o ditado popular que “barata na cozinha nunca é uma só”.
Fica a pergunta: onde e com quem estão as outras fitas desse grampo? A Abin era de Lula. Ele tinha acesso pleno à Abin, que não tinha segredos para o presidente. O que contêm essas fitas? Teriam elas o poder de constranger ministros? O sigilo impede a sociedade de saber e lança desconfiança sobre todo o sistema.
Agora é público e notório que a ficha limpa estalando de nova de Lula por mercê da volta de Fachin à militância petista produz cólicas evidentes no gabinete de ódio, sistema nervoso central do bolsonarismo criminoso no mais alto Poder republicano. Novo levantamento divulgado pelo Datafolha na segunda-feira 22 mostra que, ao contrário do sonho dos bolsalulistas, a maioria dos brasileiros (57% a 38%) acha justa a condenação do ex-presidente e critica a nostalgia ideológica do ministro do STF ao anular quatro processos (51% a 42%) da Lava Jato em Curitiba. E, de lambujem, 67% temem recrudescer a corrupção sob Bolsonaro.
O Centrão do sumo-sacerdote Arthur Lira não aguenta mais levar nas costas o andor pesadíssimo do ídolo pagão de pés de barro Jair “Messias” e encontra no condenado ao luxo no ABC uma saída viável para suas agruras. Os partidos do chamado centro democrático fingem acreditar que o taumaturgo de Caetés fala sério ao aventar a hipótese de apoiar alguém com dez dedos em 2022. Mas há ainda a estoica resistência dependente do milagre de apenar o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro e, com isso, garantir o efeito Orloff traduzido por “eu topo ser Lula amanhã”. O senador Lasier Martins apelida o grupo esperançoso por anistia de confraria.
O professor Carlos Alberto Di Franco, da Universidade de Navarra, bate os pregos dessa cruz num artigo profético publicado em 22 de março na página A2 (Opinião) do Estadão, STF na contramão do Direito, da ética e do País. Ele escreveu: “O fecho de ouro foi dado pelo ministro Nunes Marques, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para o STF. Pediu vista. Um artifício para adiar a provável degola do ex-juiz Sergio Moro e dar mais um empurrãozinho na Lava Jato rumo ao abismo diligentemente preparado num enorme acordão”.
Acordão lembra maracutaia, palavra que o protagonista deste texto tem usado para a gatunagem alheia. Mas pode ser que o acento agudo tornando o oxítono no paroxítono acórdão inclua o “excelso pretório” de fancaria no blefe que pode garantir a vitória final para gatunos e afins.
*Jornalista, poeta e escritor
(Publicado no Blog do Nêumanne na segunda-feira 22 de março de 2021)
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