Policiais, promotores e juízes procuram provas da pureza de Lula em sítio e tríplex
“Lutar com palavras é a luta mais vã. (…) E não há ameaça e nem há sevícia que as traga de novo ao centro da praça”, escreveu o poeta de Itabira, MG, de cujo solo o minério de ferro ainda brota como xuxu em pé de cerca. Mas isso só vale para quem fazia versos, como Drummond. Politico que se preze usa palavras na luta com bruto sentido de utilidade.
Palavra de político lida com o fácil e, sobretudo, não se compromete com fatos, pois lhe bastam versões, gracejos e intenções. É clássica a anedota protagonizada pelos raposões felpudos do PSD mineiro Gustavo Capanema e José Maria Alkmin. Diz-se que um deles se dirigiu ao outro reclamando: “Andam dizendo por aí que você tem contado que inventou a máxima de que em política não vale o fato, mas a versão. Mentira sua! Você sabe muito bem que quem inventou a frase fui eu, não você”. O outro respondeu, com impávido cinismo: “Claro. Vale a versão, não vale o fato”.
Verdade é que nenhum pessedista das Alterosas conseguiu inventar e defender um fato ou um conceito como o faz, com desfaçatez ímpar, Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República considerado o melhor de todos nas pesquisas da opinião, batendo Getúlio Vargas e Juscelino. Lula não mente para livrar-se de um embaraço, nem sequer para divertir-se com os oponentes. Ele impõe as versões que inventa com a força de um ace do tenista espanhol Rafael Nadal e não faz a menor questão de esclarecer ou justificar suas façanhas ao delegado, como o faria um malandro do Bexiga.
As mentiras que brotam de sua imaginação fértil e leviana ocupam os textos de escritores geniais ou medíocres, historiadores com doutorado e modestos mestres-escola do interior, artistas do show business ou comunicadores de renome. Ele é o Pedro Malazartes favorito dos filósofos e o Pinóquio perfeito, pois seu nariz nunca cresce nem sequer enrubesce.
Fosse Ionesco vivo, o fabulador do teatro do absurdo morreria de inveja de suas criações. Quando estava no esplendor da força, da ostentação e da glória, sacou uma das obras-primas de seu fabulário. Inventou que nunca seria perdoado porque em seus governos criou o ambiente para que os pobres viajassem de avião e a zelite branca de zói azu não suporta sentar-se ao lado de um pobre e honrado trabalhador de bermuda e havaianas. Os grandes exegetas do capitalismo burguês – Adam Smith a favor e Karl Marx contra – nada entenderiam se tivessem de esgrimir seus argumentos contrários nesta época de Donald Trump e Ercep Erdogan. Afinal de contas, um burguês de verdade, favorável à ampliação exponencial do mercado consumidor para suas fábricas terem a quem vender, adoraria ver os famélicos da Terra comprando seus alimentos industrializados ou deixando de viajar a pé, como faziam os andarilhos de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira na toada Estrada de Canindé: “Quem é rico anda em burrico, quem é pobre anda a pé”. Se Henry Ford fosse vivo, certamente teria abandonado suas linhas de montagem de Detroit e marcado uma entrevista com o filho de dona Lindu no sítio que nosso pai dos míseros visitava todo sábado sim, todo domingo também por mercê da farta generosidade do filho do compadre Jacob Bittar.
Os gringos de um modo geral, cujos preceitos religiosos demonizam a mentira e, mais do que a mentira, a burrice de ser desmentido numa, podiam fazer fila à porta do Edifício Solaris, no Guarujá, para ouvir as lições práticas do visitante preferencial de um tríplex dele, o padim Lula de Caetés. Assim, poderiam entender por que nosso herói acusou seu adversário Aloysio Nunes Ferreira, relator da Lei Maria da Penha no Senado da República, de propor estender a delegados de policia uma prerrogativa que é atualmente de juízes – a proteção de seres humanos do gênero feminino contra a violência –, para reprimir a própria mulher e “fazer alguma coisa com ela”. Não seria justo o oposto? Melhor será não tentar entender. É possível que o sindicalista mais bem-sucedido da história da luta de classes no mundo inteiro queira cobrar por essa explicação uma quantia similar à que, segundo contou a policiais, procuradores e juízes coxinhas, fascistas e tucanos, recebia para descrever de forma simples e acessível a arte milenar de fazer amigos e influenciar pessoas.
Infâmia, cafajestice, registrou a vítima no Facebook. Ah, mas ele vai processar, não vai? Qual o quê! “Ele já tem tantos problemas com a Justiça que não vou dar mais esse a ele”, reagiu o nobre líder do governo provisório do substituto Temer, certamente comovido por ainda haver quem no Brasil se lembre de que ele já foi uma vez na vida da UNE, esquerdista e socialista, antes de expor sua face troglodita.
Viciado em ser perdoado por todos quantos calunia, difama e engana, no território nacional ou fora dle, nosso bravo combatente da luta nada vã com a palavra, com o perdão do poeta, protagoniza agora uma reação pessoal e unilateral à Polícia Federal (PF), ao Ministério Público Federal (MPF) e à Justiça Federal, na pessoa do juiz paranaense Sergio Moro, que, na sua fantasia desmedida, lhe impõe uma perseguição implacável. Acolitado por uma plêiade de advogados, que vão do celebrado José Roberto Battochio ao safo Roberto Teixeira e inclui o esforçado aprendiz Cristiano Zanin, o fundador da estirpe Lula, a que juntou ao sobrenome mais usado no Brasil, Silva, topou o desafio de provar ser a alma mais honesta do mundo. Entre as vivas, ele promete bater fácil o papa Francisco. Entre as já no regaço do Senhor, madre Tereza de Calcutá, São Francisco e irmã Dulce. Não é uma gracinha? O mais original da parte dele é que para provar esse feito, digno de uma medalha de platina na próxima Olimpíada, em Tóquio, tem colecionado uma série de investidas de polícia, Promotoria e Justiça ao seu prontuário de chefe exemplar de família.
Agentes, procuradores e magistrados lhe têm feito o favor de procurar em busca e apreensão, condução coercitiva e outras inquéritos penais, suas virtudes nas provas cabais que lhe convalidarão bravura e candura. Diariamente incautos profissionais da imprensa e da mídia eletrônica são instruídos por seus causídicos a mandar para o inferno os federais que grampeiam seus telefonemas, informando ao distinto público, se o STF permitir, seus exemplos de humildade. Como o de se negar a assumir a Casa Civil do governo da companheira Dilma só para resistir a qualquer ambição à força, à frivolidade e à fortuna.
José Nêumanne Pinto
Jornalista, poeta e escritor
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