No Blog do Nêumanne: Maduro apodrece, mas não cai tão cedo

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Militares, tráfico de drogas e armas, terrorismo, cubanos, milicianos e cúmplices ativos, como Putin, Xi Jinping e esquerda, ou passivos, como papa e ONU, retardam queda iminente do ditador

A Venezuela tem uma longa história de revoluções ditas “liberais”, golpes de Estado e tiranos longevos. O século 19 foi marcado pela independência da Coroa espanhola, sob o comando de Simón de Bolívar, venerado herói nacional que patrocinou movimentos similares em outros países sul-americanos, é usado em efígie do meio circulante, o bolívar e agora boliviano, e na denominação do populismo ora vigente por lá. Já o século 20 foi uma sequência de pronunciamentos militares com interregnos democráticos. O general Juan Vicente Gómez derrubou o presidente constitucional Cipriano Castro, assumiu o poder em 1908 e mandou numa tirania brutal até a morte, em 1935. Dez anos depois, o civil tido como social-democrata Rómulo Betancourt e o militar Pérez Jiménez derrubaram o presidente Isaías Medina Angarita. Em 1948, a farsa da tal “Revolução de Outubro”, que nada tinha de revolucionária, foi derrubada pelo golpe militar que impediu a posse do presidente reeleito pelo voto, Rómulo Gallegos, intelectual e romancista de renome. Pérez Jiménez, que fazia parte da junta militar que governava o país, declarou-se vencedor de eleições fraudadas e iniciou uma ditadura, que durou de 1952 a 1958.

Durante o curto período democrático após a queda de Jiménez, que fugiu a bordo do avião presidencialLa Vaca Sagrada para a República Dominicana, no Mar do Caribe, a Venezuela viveu numa sequência de quinquênios de presidentes eleitos nas urnas com alternância de poder entre a AD (Ação Democrática), inspirada na social-democracia europeia, e o Copei (Comitê de Organização Político Eleitoral Independente), na verdade uma legenda democrata cristã, também conhecida como “partido verde”. Passaram pelo Palácio de Miraflores os adecos Rómulo Betancourt, Carlos Andrés Pérez (duas vezes) e Octavio Lepage e os copeianosRaúl Leoni, Rafael Caldera (duas vezes), Luís Herrera Campins e Jaime Luchinski.

A então mui aprazível Caracas, plantada num vale, recebeu, durante esse breve hiato democrático, exilados dos regimes militares vigentes na América hispânica, caso dos civis que fugiram da ditadura chilenade Augusto Pinochet. Os EUA compravam praticamente toda a produção de petróleo da Venezuela e a relação entre os dois países era tão estreita que se costumava dizer que, quando o ocupante da Casa Branca se resfriava, o venezuelano espirrava. À época, o petróleo atingia preços altíssimos e nossos vizinhos do norte passaram por um período de fartura e pleno emprego. Pérez fez dessa dependência seu slogan, prometendosembrar el crudo (semear o óleo cru).

Nesse panorama, com a economia brasileira assolada pelo choque dos produtores de petróleo, o então presidente Ernesto Geisel assinou, em 1975, o acordo nuclear com a Alemanha, produzindo muito desconforto diplomático entre o Itamaraty de Azeredo da Silveira e o Departamento de Estado americano na gestão do democrata da Geórgia Jimmy Carter. Os ianques não aceitavam a compra de reatores nucleares alemães, instalados em Angra dos Reis, pelos brasileiros, alinhados a eles desde 1964.

Àquela ocasião, o Jornal do Brasil publicou entrevista que fiz com Carlos Andrés Pérez, que tinha veleidades de esquerda (a ponto de passar a ocupar assento na Internacional, cujo representante brasileiro era o “socialista moreno” Leonel Brizola), em que apoiou o acordo teuto-brasileiro de forma explícita. Em 1976 o venezuelano visitou o Brasil e o Itamaraty registrou a virada surpreendente do país dele em relação à querela diplomática com o “irmão do norte”, declarando, ao assinar acordos bilaterais com o governo Geisel: “O Brasil é a nação sul-americana fundamental e chave na ação integradora da região”.

Passei, então, a visitar a Venezuela amiúde e percebi que era patente a tensão existente entre a elite americanófila e endinheirada do luxuoso bairro de Country Club, em Caracas, e a massa aglomerada na impressionante favela plantada nos morros que ladeavam a estrada que separa o aeroporto de Maiquetía da capital, não muito próxima. Essa tensão se manifestara na insurreição militar contra Betancourt em Carúpano (El Carupanazo), em 1962, ano também da revolta na base naval de Puerto Cabello (El Porteñazo). Em 1992, Pérez, que dera uma guinada à direita na segunda gestão, enfrentou um golpe militar, liderado por quatro tenentes-coronéis do Exército, entre eles Hugo Chávez. Presos, estes seriam soltos dois anos depois pelo sucessor de Pérez, o citado Caldera, desta vez não mais democrata cristão, mas líder de um punhado de partidos da esquerda radical. Durante muito tempo, mesmo em plena democracia, a Venezuela convivia, de um lado, com a sombra fascistoide dos edifícios de um centro administrativo construído por Jiménez e, de outro, pelo mais longevo guerrilheiro cubanófilo da América do Sul, Douglas Bravo.

Em 2002, eleito presidente pelas populações pobres das favelas de Caracas e do interior do País, o mesmo Chávez chegou a ser preso, foi libertado e conduzido a Miraflores, o mesmo palácio onde entrevistei Pérez. Foi a deixa para o oficial se perpetuar no poder até a morte, em Havana, sendo substituído por Nicolás Maduro, que segue no mando, enfrentando bloqueio dos americanos, agora com ameaças de intervenção do presidente Donald Trump. Dos velhos tempos de Chávez, só conta agora com o apoio próximo do boliviano Evo Morales, a simpatia constrangida de López Obrador, no México, e Tabaré Vázquez, no Uruguai, o apoio explícito do russo Vladimir Putin, do chinês Xi Jingping e do turco Recep Erdogan e a omissão do papa Francisco.

Outros aliados de antes, os companheiros Lula e Dilma no vizinho Brasil, Néstor e Cristina Kirchner, na Argentina, e Michelle Bachelet, no Chile, foram esmagados nas urnas por adversários nada simpáticos ao bolivarianismo: Jair Bolsonaro, Mauricio Macri e Sebastián Piñera. Aos quais agora se acrescentam o vizinho colombiano Iván Duque e o paraguaio Mario Benítez, reunidos no Grupo de Lima em busca de uma solução para apear Maduro do poder.

A esquerda infantiloide do Primeiro Mundo e dentre antigos aliados americanos ignora todas as suas sandices. O remanescente do Pink Floyd Roger Waters rompeu com o americano Bernie Sanders, enquanto Maduro dançava salsa no palanque e carnavalizava os mortos dos confrontos nas fronteiras da Colômbia e doBrasil, na tentativa frustrada de introduzir ajuda humanitária com alimentos e remédios na Venezuela. Testemunha entusiástica da segunda posse de Maduro, Gleisi Hoffmann o apoia cegamente, pouco ligando paraos fatos.

No entanto, Maduro ainda conta com o apoio dos 3 mil oficiais-generais das Forças Armadas, subornados pelos lucros do câmbio negro resultante da miséria econômica a que o chavismo reduziu as riquezas obtidas com o petróleo nos tempos de altas. As deserções anunciadas do lado de cá da fronteira são em número tão ridículo que encontraram seu símbolo na caminhonete de feirante que não conseguiu levar víveres aos famintos desesperados de Santa Elena de Uiarén, do lado venezuelano.

Oposicionistas realistas que resistem em Caracas calculam que por lá haja ainda 22 mil cubanos enviados pelos Castros, Fidel e Raúl, e Díaz-Canel. Teme-se que tenham cruzado a fronteira colombiana 20 mil membros das Farc e do ELN colombiano, hoje instalados nos ermos andinos de Mérida, Trujillo e Barinas. Paira também sobre as torres de extração do crudo em Maracaibo a ameaça sinistra dos traficantes de armas e drogas, crimes dos quais o segundo homem do regime, Diosdado Cabello, é acusado pelos americanos. Suspeita-se que haja um número incerto de terroristas do grupo Hezbolah na Ilha de Margarita, local de veraneio da burguesia empobrecida nos velhos tempos. Há quem diga que alguns foram vistos perambulando pelos ermos llanos do Oriente, um dos destinos turísticos preferidos do país pela qualidade das praias, pelas “cidades  interessantes e pela simpatia de sua gente”, como proclamam os cartazes das agências de viagem de Caracas.

O Brasil faz bem em pisar em ovos, embora o Itamaraty se tenha manifestado rispidamente contra a reação de Maduro à iniciativa internacional do fim de semana. No discurso de triunfo, o tirano proclamou-se “más duro”. Ele apodreceu, sim, mas ainda é duro na queda.

José Nêumanne

*Jornalista, poeta e escritor

(Publicado no Blog do Nêumanne na segunda 25 de fevereiro de 2019)

Para ler no Blog do Nêumanne, Política, Estadão, clique aqui.

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