No blog do Nêumanne: Honra é outra coisa, gente!

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Erundina, Suplicy e outras reservas morais do PT negam a própria reputação ao defenderem gatunos

Ouço falar de Luiza Erundina desde minha infância em Uiraúna, no sertão do Rio do Peixe, onde a Paraíba acaba nos limites com o Ceará e o Rio Grande do Norte. Meus pais eram amigos de sua família, gente humilde, decente e trabalhadora. Desde minha adolescência, em Campina Grande, testemunho sua honradez pessoal, sua fidelidade a conceitos ideológicos definidos e nunca negados nem traídos, além de sua dura luta em prol dos pobres e oprimidos. Na maturidade, em São Paulo,

Erundina contra Temer
Erundina contra Temer

convivo com sua amizade desinteressada e respeitosa. Sempre a citei como um raríssimo exemplo de honestidade pessoal e coerência política em palestras que faço pelo Brasil afora. Agora chegou a vez, contudo, de não poder mais fazer esse elogio sem pôr em risco meus próprios conceitos sobre o complexo e restrito sentido da palavra honra.

O mesmo vale para Eduardo Suplicy. Nunca fui seu amigo pessoal, como o sou de Erundina, nem admiro seu marketing político de buscar a notoriedade a qualquer custo. Desde pernoitar em acampamentos de sem-terra invadindo propriedades rurais alheias até assassinar, sem respeito aos tímpanos alheios, um clássico de minha predileção desde sempre, Blowin’ in the Wind, do ídolo Bob Dylan. No entanto, por mais farisaico que me pareça esse comportamento falsamente franciscano (semelhante ao do papa Francisco, que considera cristão calar sobre a tirania cubana, mas condena a interrupção do quarto governo protetor de corruptos por um método que respeitou o Estado Democrático de Direito), não me perturba esse oportunismo fantasiado. O desrespeito a si próprio rastejando aos pés de Dilma Rousseff, em busca de um afago de poderoso, também não me indigna nem revolta. Afinal, o ego é dele e nada tenho que ver com isso.

Suplicy na passeata contra Temer
Suplicy na passeata contra Temer

Quando, porém, assisto ao espetáculo de desonestidade intelectual de personalidades como os dois, que fazem muita questão de ser coerentes com a ideologia usada para alcançar cargos no poder numa democracia burguesa, que desprezam et pour causese acham no direito de desrespeitar, mesmo dela se servindo, aí não dá mais para calar. Se não fosse por outras razões, faço-o pelo respeito pessoal que ambos até agora mereceram de adversários que, como eu, aceitavam nossas discrepâncias e respeitavam nossas diferenças quanto a ideias e métodos de disputar e exercer o poder.

Ao contrário deles, Fernando Haddad nunca teve meu crédito nem o terá, como professor, ministro da Educação ou prefeito, o pior que São Paulo teve em todos os tempos. Luiza Erundina ocupou os dois cargos mais importantes de sua vida – a Prefeitura da maior cidade do País e o Ministério da Administração Federal no governo Itamar Franco – após enfrentar a implacável oposição do (hoje menos, mas ainda) poderoso chefão do Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva. Este apoiou Plínio de Arruda Sampaio contra ela na convenção para a escolha do candidato do PT à Prefeitura paulistana e a expurgou da legenda quando ela aceitou um cargo de primeiro escalão no mandato-tampão do mineiro nascido em mares da Bahia. Isso após ter ele ajudado a depor Collor e se negado a participar da gestão do substituto. Ela passou pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) de Miguel Arraes e está no PSOL, que congrega antigos militantes petistas que tentam parecer socialistas honrados, e não mais da zelitegauche, que enriqueceu à custa de propinas furtadas de dinheiro público por empreiteiras acusadas de ancestral e grossa corrupção.

O candidato a vereador Eduardo tem o sobrenome materno do clã que já foi o símbolo da industrialização paulista: Matarazzo. O paterno é menos nobre, mas não menos abastado, pois pertence a uma estirpe de produtores e negociantes de café, a monocultura que sustentou o Brasil na próspera República Velha: Suplicy. Nas primícias petistas, ele viu desmanchar-se a ilusão de poder opor-se ao cappo di tutti cappi, propondo-se a confrontá-lo em primárias para a eleição presidencial. Então foi  desprezado pela cúpula partidária como se fosse um réprobo, enquanto delinquentes ora condenados, como Delúbio Soares, João Vaccari Neto e José Dirceu, eram aclamados como “bravos guerreiros do povo brasileiro”.

No Senado, calou quando a “companheira presidenta” Dilma fazia o diabo, não apenas para se eleger, mas também para evitar que os braços longos da lei alcançassem os empreiteiros acusados de corrupção na Operação Lava Jato, transformado o PT das lutas operárias no defensor de nababos contratados para erigir obras públicas superfaturadas. Também nunca ninguém ouviu ma palavra de reprimenda da dialética e articulada Erundina contra seus antigos correligionários flagrados furtando.

Nas últimas manifestações contra o governo Temer em São Paulo, Suplicy e Erundina cortejaram, ao lado de Haddad, a massa manobrada, que pedia prisão para o juiz federal paranaense Sergio Moro (da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba), por ter este ousado cobrar de Lula a igualdade de cidadão perante a lei. Fala-se muito em diálogo, mas usar sua história pessoal de defesa da lei e de combate contra a injustiça social para proteger crimes descobertos, investigados e processados na forma dessa mesma lei, com amplo direito de defesa, não facilita uma conversa desarmada com tais militantes sobre os destinos do povo e da República.

Os quadrilheiros que reduziram a Petrobrás a pó de calcário de obras inconclusas e ferro retorcido de cofres arrombados já não mereciam de insignes figuras como as citadas a mínima consideração. E agora desmoralizam ainda mais a própria pregação de suas virtudes para pobres e pouco informados cidadãos que seguem com fé, confiança e esperança suas palavras de ordem. O que dizer de seu silêncio cúmplice sobre o correligionário Paulo Bernardo, acusado pela Polícia Federal (PF), pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo juiz Paulo Bueno de Azevedo, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, de ter comandado um esquema que descontou R$ 100 milhões diretamente da folha de pagamento de servidores do Ministério do Planejamento, que ele ocupava, para as próprias contas bancárias e para a tesouraria petista? E ainda: como é possível ocultar na própria omissão desvios de R$ 50 bilhões que, conforme investigações na Operação Greenfield da PF e do MPF, sob a égide do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Criminal Federal de Brasília, foram surrupiados dos fundos de pensão Petros, Previ, Funcef e Postalis? Sem esquecer que funcionários de Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Correios estão sendo forçados a pagar em pesadas prestações mensais a perder de vista o rombo cavado pelos magnatas petistas, que se apresentam como porta-vozes da classe trabalhadora, a qual, enganada e roubada, ainda paga a conta dos estragos, diretamente de seus holerites.

A adesão de Fernando Haddad, boneco do ventríloquo Lula, a esse comportamento audaz e indecente é compreensível. Seus dotes intelectuais limitados não lhe garantiriam uma carreira acadêmica com o destaque que o apadrinhamento do homem acusado de ser “o arquiteto da destruição” da economia brasileira, com 12 milhões de desempregados, na maior recessão da História, lhe reservou na política profissional. Mas como os dotes de independência, honestidade e amor ao povo ditas por Erundina e Suplicy ainda podem ser palavras usadas como galardões, após terem perdido seu notório sentido de sempre em nome da defesa indefensável pelos dois de um golpe que não houve e da roubalheira que eles fazem de conta que não ocorreu?

José Nêumanne Pinto

Jornalista, poeta e escritor

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