Deus nos livre de o trem passar de novo com Dilma gritando promessas, enquanto na estação esperamos em vão o comboio parar
A IstoÉ revelou neste fim de semana que, quando era plenamente presidente, Dilma Rousseff exigiu que a empreiteira Odebrecht doasse R$ 12 milhões para incrementar o caixa de sua campanha à reeleição. Metade seria destinada ao PMDB e a outra, a seu marqueteiro, João Santana. Agora afastada do cargo, com autorização da Câmara (367 votos a favor em 513 possíveis) e decisão do Senado (55 votos em plenário de 81), ela, é claro, desmentiu. A questão é saber quem mentiu. A revista, o réu confesso e delator premiado ou a acuada acusada?
Se foi a revista, logo será possível saber. Basta que os federais, promotores, o juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, ou outrem que tivesse acesso aos autos da delação a desmintam. Pelas presentes circunstâncias, talvez seja preciso esperar por essa solução repousando numa cadeira muito cômoda ou num colchão bastante confortável.
Mentir traria ao maior empreiteiro do Brasil consequências funestas demais, para dizer o mínimo. Pois não se trataria apenas de ser incriminado por calúnia, injúria ou difamação, mas também por um delito de consequências mais graves – de falso testemunho para desviar a rota de uma investigação criminal. Seria também uma tolice sem tamanho. Ninguém, nem mesmo um réu encalacrado,caso de Marcelo Odebrecht, é obrigado a produzir provas contra si mesmo. E o colaborador da Justiça (assim a lei define o condenado em questão) perderá o direito a eventuais benefícios que lhe sejam concedidos por haver ajudado a encontrar as provas da denúncia. E sua pena será agravada se mentir no processo.
Conforme seu relato, o empresário teria sido achacado duas vezes por Edinho Silva, tesoureiro da campanha pela reeleição em 2014 e, posteriormente, secretário da comunicação do segundo desgoverno Dilma. Por achar que a quantia era elevada demais, o achacado procurou a principal interessada para confirmá-la. Em seu estilo bruto, arrogante e confiante na impunidade garantida pelo voto popular, a candidata teria respondido sem rapapés, agradecimentos ou apelo, com meras três palavras: “É para pagar”. Segundo o delator, o pagamento foi feito.
Terá agora o cúmplice de provar a delação. Será possível? É o que veremos a seguir. Manda a lógica que a presidente, enfim pilhada em flagrante delito ao cometer crime grave, do ponto de vista penal mais do que os ditos de “responsabilidade” que podem lhe valer a perda do mandato, desconfie de uma circunstância preocupante. Um homem com o poder, a fortuna e as informações de que dispõe o dito cujo indigitado não teria, e não por acaso, deixado registro nenhum do suborno que pagou? Difícil acreditar! Logo ele, que encheu a memória do próprio telefone celular com minuciosas anotações dos malfeitos que financiou? Pois é. E há uma agravante a considerar: a Polícia Federal (PF) já está de posse de tais memórias em cápsulas, com grande parte dos enigmas decifrada. E não seria improvável que ele completasse a delação com a revelação detalhada e confiável de cada codinome usado para cada beneficiário. Como a força-tarefa da Lava Jato tem dado frequentes demonstrações de eficiência, tirocínio, independência e probidade em seu mister, não será sensato contar com sua leniência para, a partir de informações, indícios e evidências, deixar de produzir as provas necessárias para incriminá-la.
Resta a terceira hipótese: será crível que a presidente afastada tenha faltado com a verdade ao negar sua culpa? No caso específico, antes de responder a esta pergunta será mais prudente esperar que a devassa acabe e conclua se a acusada é culpada ou inocente. O diabo é que seu cabedal de falsidades ou falhas de lembranças do passado remoto ou recente não a ajuda. Durante anos, ela informou aos colegas acadêmicos pelo Currículo Lattes que teria sido doutora em Economia na respeitável Unicamp. O repórter Luiz Maklouf de Carvalho constatou que não foi bem assim. Mas, justiça seja feita, ela mandou corrigir. A memória também a traiu quando contou que frequentava o Mineirão acompanhando o pai para torcer pelo Atlético quando o estádio ainda não havia sido construído.
Relembrar cada mentira que contou em campanha ao descrever o Paraíso de John Milton ao qual o eleitorado teria acesso, caso a reelegesse, não caberia neste espaço nem na paciência do leitor. Com 200 mil negócios a serem fechados até terminar a primeira metade de seu segundo mandato, época em que 1 milhão e 400 mil trabalhadores terão perdido seus empregos e com um rombo nas contas públicas de R$ 170 bilhões à espera, chamar a situação do País sob seu desgoverno de “inferno de Dante” seria um eufemismo. É o caso de defini-la como o inferno de dantes (no quartel de Abrantes), usando como referência temporal o dia em que o Poder Legislativo autorizou o afastamento dela do Executivo, para, sob vigilância desdobrada e atenta do Judiciário, decidir se a manda para o lixo da história e a torna, como ela própria previu, “carta fora do baralho”. Ou não.
Se sobram evidências de que Dilma não terá razões para dormir com a inocência dos justos enquanto não for esvaziado o embornal de Bahia Odebrecht, talvez fosse de bom alvitre ela começar a meditar sobre o destino que terá se se confirmar que é falsa como uma nota de R$ 3 (que, aliás, nada mais vale) sua “honestidade pessoal”, seja lá o que isso signifique. Afinal, até hoje seu adversário Fernando Henrique e seu serviçal Ciro Gomes ainda não conseguiram explicar o que distingue alguém pessoalmente honesto de outrem impessoalmente honesto. Os presídios estão cheios de soit-disant “inocentes” que furtaram quantias desprezíveis, se comparadas com o saque ao Tesouro empreendido sob sua complacência na época em que foi ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás e da República achacada, assaltada e depauperada pela organização criminosa composta por delinquentes recrutados por seu patrono Lula e por ela mesma.
Na hipótese (ao que parece nada longínqua) de seus delitos investigados tirarem de sua companhia até a própria crença em sua condição de ilibada, Dilma protagonizará o anexim sertanejo que resume com graça e precisão a saga dos encantados enganados que quedam inertes e impotentes nas estações ferroviárias. Enquanto os ilusionistas passam ao largo berrando miragens,os iludidos nada podem cobrar deles, pois o comboio nunca para. Como lembra a colega Wanessa Campos, biógrafa de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço: “é o trem passando, e ela mentindo”. Deus nos livre de que, depois de agosto, esse trem passe de novo com suas diabólicas visagens do Paraíso das macieiras anunciando o inferno de Satã.
José Nêumanne
Jornalista, poeta e escritor
(Publicado no Blog do Nêumanne, Estadão, na segunda-feira 6 de junho de 2016)
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