Há quem tema que o segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva ponha em risco a estabilidade das instituições democráticas burguesas, pois a avalanche de 20 milhões de votos sobre o adversário tucano poderia instigá-lo a seguir os exemplos nada construtivos do colega venezuelano Hugo Chávez. A verrina de seu principal assessor para política latino-americana, Marco Aurélio Garcia, no comentário sobre os vândalos de crachá que agrediram os repórteres na festa de recepção ao reeleito em Brasília não deixa de autorizar esses temores. Embora esta possa não passar de um arreganho autoritário. Ou, mais ainda, a prova de que a frase famosa de Lord Acton esteja incompleta. O poder não apenas corrompe: ele também pode emburrecer. O diabo é que o poder absoluto, pela lógica, também emburrece de forma absoluta.
A reação do presidente à perspectiva de caos no controle do tráfego aéreo nacional – esbravejou com os subordinados, esmurrou a mesa e foi embora para a praia -, contudo, permite o palpite de que talvez na segunda gestão, mais milionário de votos que nunca, ele reforce o lado Ascenso Ferreira. Como o poeta e conterrâneo, o presidente pratica o “hora de comer, comer; hora de vadiar, vadiar; hora de trabalhar, pernas pro ar que ninguém é de ferro”. Depois da exaustiva campanha, viajando do “Oiapoque à Ilha do Marajó” (para nos adaptarmos a suas metáforas de aproximação geográfica), Sua Excelência resolveu desmentir de vez a paródia do próprio marqueteiro Patinhas do lema getulista com o “deixem o homem trabalhar” para pedir votos. Pelo ocorrido no caso, teremos mais do mesmo “deixem o homem descansar”.
© Jornal da Tarde, terça-feira, 7 de novembro de 2006.