Duas implosões anunciadas e um projeto de lei que obriga os donos de boates de São Paulo a instalarem bebedouros em seus estabelecimentos para saciar a sede dos viciados em ecstasy, noticiados na semana passada, lembram a anedota do marido que encontrou a mulher fazendo amor com o amante no sofá da sala e decidiu se livrar do sofá.
O governo da Bahia, sob a égide de Jacques Wagner, tido como um dos presidenciáveis do PT, anunciou a disposição de demolir o Estádio da Fonte Nova, onde sete torcedores morreram no desabamento de um pedaço da arquibancada. A palavra “acidente” tem sido usada de forma imprópria muitas vezes no Brasil atual. Neste caso, mais que impropriedade há cinismo, pois perícias técnicas de instituições acreditadas alertavam para a iminência da ocorrência de um incidente do gênero. Isso sem contar o fato de, em que pesem a dor das famílias das vítimas e a solidariedade de que são merecedoras, termos de agradecer ao Senhor do Bom Fim por não ter morrido muito mais gente. Pois era de esperar que isso ocorresse nas circunstâncias em que ocorreu o desabamento.
Do mesmo partido de Wagner é a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, que também resolveu pôr abaixo a cadeia de Abaetuba, onde a menor L., de presumíveis 16 anos, serviu de pasto a 27 condenados, com a anuência da polícia, da Justiça e do Ministério Público. Alertado por um colega de prisão, por isso mesmo tido como um pária (assim como a vítima), o Conselho Tutelar tomou as providências necessárias e tornou o caso público, evitando que mais esse absurdo da crueldade e da falta de sensibilidade de nossos agentes públicos caísse no esquecimento. Depois de demitir seu delegado-geral, que cometeu a estupidez de definir a garota como “débil mental” por não ter alegado a própria menoridade, Sua Excelência mandou implodir a cela onde a menor foi martirizada – como se isso apagasse essa humilhação, não apenas de L., mas de toda a cidadania desrespeitada por um Estado que ainda se pretende “de direito”.
As implosões e o hipócrita fornecimento gratuito de água, mais barata que a droga que provoca a sede dos consumidores, mostram que este não é mais o país onde só se põe a tranca na porta depois que ela é arrombada. É costume no Brasil de hoje, depois de se livrar do sofá, demolir a casa sobre os cadáveres dos inocentes para impedir que venham a lume as provas dos crimes de seus agentes e mandatários.
© Jornal da Tarde, terça-feira, 04 de dezembro de 2007