E assim falou… o nosso Clemenceau

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Lula age como o curandeiro que intui o diagnóstico, mas não sabe curar

 

“A guerra é uma coisa importante demais para ser deixada por conta dos generais.” Esta frase, de precisão cirúrgica, foi dita originalmente por um médico. E só foi adaptada e citada, como tem sido, por ter sido cunhada por um jornalista. Não um jornalista qualquer, mas aquele que mandou imprimir um dos textos mais importantes do século 20, o J’accuse (Eu acuso) com que Émile Zola denunciou um dos mais notórios erros judiciais da história, o caso Dreyfus. Além do mais, o autor foi estadista: senador e duas vezes primeiro-ministro da França, nos prolegômenos e no encerramento da 1ª Grande Guerra Mundial, Georges Clemenceau a aprendeu na experiência no trato com militares e ainda dos bancos escolares acadêmicos, no convívio com os luminares das letras francesas de seu tempo e, sobretudo, nos debates de plenários e até nas conversas descontraídas do cafezinho do Parlamento de seu país.
Depois que os canhões da 1ª Grande Guerra silenciaram e que os aviões da 2ª calcinaram lares em Londres, Berlim, Dresden, Hiroshima e Nagasaki, seu sentido tem sido confirmado e reafirmado ao longo do tempo e em todas as línguas. Sempre que alguém quer reclamar das limitações do específico quando mistérios genéricos assolam a saga humana na Terra, lá vem alguma nova versão da mesma sentença adaptada aos engenheiros que constroem, aos médicos que operam, aos arquitetos que desenham e por aí afora. Dia virá em que alguém dirá que jornal é uma coisa importante demais para ser deixada por conta dos jornalistas. Agora, contudo, é a vez dos economistas. Diante dos desafios da atual crise econômica mundial,produzida pela explosão da bolha imobiliária e da bomba dos derivativos, é natural que os dedos do crítico e o clamor da turba se voltem primeiro para os especuladores do mercado financeiro e depois para os economistas. Nosso presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, com a loquacidade de que é dotado e a empáfia que lhe têm concedido o poder republicano reafirmado nas urnas e o prestígio popular, que não decaiu no segundo mandato, contrariando a adaptação política da lei da gravidade na Física, não perdeu a chance de parodiar Clemenceau. E em Roma, diante do presidente Giorgio Napolitano no Palácio Quirinal, ele disparou não propriamente contra os economistas, mas contra a vaga entidade que ele chama de “analistas de mercado”. Seu novo palpite é que “os governantes precisam entender que precisamos ouvir menos analistas de mercado e mais analistas de problemas sociais, de desenvolvimento e que conhecem as pessoas”.
Antes de questionar os comandos militares, Clemenceau, exercendo a autocrítica, deixou os pacientes para colegas mais aptos e realizou sua vocação de crítico, tribuno e, depois, governante – no que seria imitado por insignes brasileiros como Juscelino Kubitschek e Antonio Carlos Magalhães. Nestes dias de êmulo tropical de Clemenceau, o presidente de nossa nada serena República age como um pajé capaz de intuir o diagnóstico, mas absolutamente incapaz de receitar a terapia. Quando começou a dedicar suas metáforas de marinheiro à crise econômica (a das “marolinhas” não foi propriamente a mais feliz delas), Sua Excelência respondia a quem o indagasse sobre o assunto: “Perguntem ao Bush” ou “o problema não é meu, é de Bush.” Típicas respostas de quem não sabe o que responder, pois, mesmo que o problema tenha sido originado na Casa Branca – o que é duvidoso –, certo é que não será ao presidente dos EUA que a sociedade brasileira terá de apelar para exigir medidas que, se não evitarem as conseqüências malignas do quadro mundial, pelo menos amenizem seus efeitos entre nós.
“Quem pariu Mateus que o embale” pode parecer uma boa saída para quem não tem convicção do que dizer, porque não sabe o que fazer para desatar o nó górdio, mas simplesmente não ajuda a decepá-lo. Henrique Meirelles, aparentemente o oásis de sensatez no deserto de parlapatice com que a alta cúpula econômica federal reage aos sustos pregados pela falta de confiança dos mercados internacionais, precisa explicar ao chefe que, a esta altura do campeonato, o que menos importa é definir a paternidade irresponsável da tempestade que começa a desabar. A prioridade no momento é estabelecer um plano coerente, efetivo e viável de enfrentamento das calamidades públicas que o ciclone financeiro pode produzir no crédito, no consumo e na produção, com conseqüências nefastas no emprego e na renda de famílias que não elegeram o Bush filho, mas Lula da Silva.
Pouco adianta constatar agora que o republicano do Texas foi o pior presidente em todos os tempos do país mais rico do mundo. E daí? Resta-nos evitar que a ignorância que o ajudou a cometer os erros que podem ter levado à catástrofe se repita aqui de forma que eles repercutam mais sobre o bolso e o estômago do cidadão brasileiro – particularmente o mais pobre – por doença similar. O que a ganância produziu lá não pode pela ignorância ser anabolizado aqui – do “outro lado do Atlântico”, como ainda repete nosso morubixaba.
A conjuntura mundial não está a exigir de Lula hoje – e não mais de George W. Bush, que está sendo substituído por Barack Obama – que ele seja o Clemenceau de Garanhuns nem que exiba um diploma universitário ou notório saber em Economia, Sociologia ou qualquer outra cadeira. O Brasil precisa agora é que o que lhe falta em experiência para levar o barco devagar pelo nevoeiro, como recomenda Paulinho da Viola em seu samba, pelo menos seja compensado pelo velho bom senso, que nunca lhe faltou. Infelizmente, quem espera por isso nada tem a comemorar com atestados explícitos de insensatez dados nas proclamações que o presidente tem feito ultimamente.

 

© O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 12 de novembro de 2008, p.A2


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José Nêumanne Pinto

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