Presidente recorreu a desculpa da pedra na vidraça para não ter de comentar violações dos direitos humanos pela ditadura cruel de 53 anos de Fidel Castro, seu ídolo na juventude combatente
À falta de mais o que dizer em Havana para não comentar as violações de direitos humanos em Cuba, Dilma Rousseff decidiu: “Quem atira a primeira pedra tem telhado de vidro”. Desde a época da consolidação do território pelo esforço do Barão de Rio Branco, nossa política externa nada produziu de tão inusitado – a teoria do telhado apedrejado. Tivesse Osvaldo Aranha seguido o lema no Estado Novo, Getúlio Vargas não teria criado a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para combater na Europa ao lado dos aliados. Afinal, que autoridade teriam os britânicos sob Winston Churchill para atirar a primeira bomba nas fortificações nazistas se a “pérfida Albion” já havia antes submetido metade do planeta ao tacão colonial? Isso sem falar nos não menos maldosos sobrinhos do Tio Sam, que dizimaram índios nas estepes do Oeste distante. A metáfora da pedra na vidraça pode até ser trocada pela do ianque no metrô moscovita. Vale recontar a velha piada: o comissário dos transportes exibia ao turista imperialista o mármore nas paredes de uma estação metroviária em Moscou quando este, insensível à beleza, consultou o relógio porque tardava o trem. “É, mas vocês matam índios”, retaliou o camarada.
Pois então os policiais que torturam presos nas delegacias brasileiras impediram nossa comissária-chefe de defender os dissidentes cubanos da tirania dos Castro, aos 53 anos . De nada vale nosso Estado de Direito comparado com os adversários do comunismo caribenho se violações de direitos humanos em nosso Estado (aliás presidido por ela) a forçam a calar.
Aposentado o fuzil de guerrilheira no museu doméstico, Dilma decidiu revirar tudo pelo avesso com a autoridade que lhe concedem milhões de votos e altíssimos índices de popularidade. Havana inspirou-a a também a revirar pelo avesso os cânones gramaticais da língua que usou para jurar fazer cumprir a Constituição. “Os demais passos não É de competência do governo brasileiro”, disse ela ao se referir ao visto de turista concedido por seu governo à blogueira cubana Yoani Sánchez.
Os jornais corrigiram para SÃO, seja porque os computadores não aceitam a construção disforme, seja porque não entenderam a postulação revolucionária da chefe do governo brasileiro em relação à última flor do Lácio. Da mesma forma como seu antecessor, Lula da Silva, fletia o gênero de advérbios inflexíveis – MENOS miséria por MENAS pobreza – a sucessora dele usa o poder e o prestígio de que desfruta para inverter a regência verbal, submetendo-a não mais ao sujeito, como de praxe, mas ao complemento, como ela determina, fiel à sentença petista de que não há erro gramatical por ser a gramática um “luxo fútil”.
© Jornal da Tarde, quinta-feira, 1 de fevereiro de 2012, p. 2