Dilma fez o certo e Collor errou feio

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Em vez de assaltar sonhos de consumos de todos os poupadores, como fez Collor, Dilma impediu que capitalistas se protegessem da queda dos juros no mais popular instrumento de poupança

O anúncio, feito na semana passada por Dilma Rousseff, da mudança na remuneração das cadernetas de poupança foi uma oportunidade de ouro para o observador atento da cena política ter uma evidência cristalina de como mudaram as relações entre autoridade e cidadania nestes 22 anos.

Em 1990, o carioca criadoem Alagoas Fernando Collor de Mello, que havia vencido a primeira eleição presidencial em 30 anos, sequestrou a poupança dos remediados numa tentativa desesperada e amadorística (dos pontos de vista da economia e da comunicação) de deter o avanço vertiginoso da inflação, que o ajudara a se eleger. Deu no que deu: sem uma coalizão política capaz de sustentar ato tão temerário, sem humildade para negociar a sobrevivência de seu governo com o Congresso e tendo perdido o apoio popular com a medida estúpida, o poder monárquico do presidente eleito pelo povo se dissolveu e ele se viu obrigado a renunciar, asfixiado num mar de lama. Os milhões de casos dos brasileiros comuns que tiveram suas economias surrupiadas sem piedade pelo cabotinismo do chefe do governo e pelas limitada competência de sua czarina da economia tiveram repercussões terríveis em muitas vidas.

Em 2012, dentro de um projeto de combate retórico às altíssimas taxas de juros praticadas na economia brasileira, a mineira que se tornou gestora pública no Rio Grande do Sul Dilma Rousseff anunciou um gatilho de 8,5% da Selic para impedir que o popular instrumento de poupança da sociedade virasse um obstáculo para detê-la em sua obstinação.

Há diferenças enormes entre o ímpeto de Collor e o cálculo de Dilma. Com a autoridade concedida pelo presidente, a ministra Zélia Cardoso de Melo impediu que todos os poupadores usassem seus saldos para atender a suas necessidades. No cumprimento das ordens da chefe, o ministro Guido Mantega evitou que capitalistas de escol se protegessem no instrumento mais democrático de poupança da queda da remuneração de seus pesados investimentos com a queda eventual dos juros.

Ao contrário de Collor, Dilma não passará, pois, para a história como a usuária da mão pesada do Estado para assaltar sonhos de consumo. Houve, é claro, um risco político, mas este se evaporou por não se tratar de intervenção brutal e por outra diferença política fundamental entre os dois episódios. Contra o destrambelhado “carcará sanguinolento” mobilizaram-se todas as correntes políticas organizadas do País, surpreendidas com o apoio popular que ele recebera nas urnas. A oposição ao atual governo é nula, comparada com a de então. O apoio a Dilma não é  unânime, mas até o obscuro senador Collor é governista.

Jornal da Tarde,  terça-feira 8 de maio de 2012, p. 2A.

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José Nêumanne Pinto

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