Sérgio Cabral tem razão quando põe a culpa dos desabamentos de encostas na conta dos demagogos populistas, mas, como outros gestores, ainda deve o anúncio de providências
Chuvas, para um sertanejo como o autor destas linhas, são eventos meteorológicos do bem. São bênçãos que caem do céu para fertilizar solos secos castigados pelo sol. Mas nos últimos verões elas também desabaram como lavas de vulcão, ao mesmo tempo fertilizantes benignas e assassinas malignas. No Estado do Rio, principalmente, mas também aqui em São Paulo e em outros Estados do Sudeste e do Sul, as águas provocaram deslizamentos de morros e muitas mortes. Como toda tragédia natural, a tendência é atribuí-la ao imponderável, às forças da natureza, a algo incontrolável pela impotência humana sobre a Terra. A verdade não é bem esta.
Os soterramentos que matam resultam de agressões descabidas da ação humana contra a natureza. O governador do Rio, Sérgio Cabral, teve razão ao lamentar a ação nefasta dos demagogos populistas, cuja omissão na gestão pública permitiu que a vegetação nas encostas e os mananciais de água potável venham sendo afetados pela construção de imóveis fora da lei e de qualquer propósito. Sua Excelência só se esqueceu de que até agora ele próprio não tomou nenhuma atitude de autoridade, da qual foi investido por decisão soberana do povo de seu Estado, para reverter esse estado de coisas. Assim, falou como um roto maldizendo o esfarrapado e imitou o modelo de seu aliado federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, mesmo sem nunca ter lido uma palavra escrita pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre, parodia o lema deste segundo o qual “o inferno é o outro” para “o diabo é o adversário antecessor.”
Tragédias como a da Ilha Grande expõem os malefícios produzidos pelo populismo que, em nome de um falso amor ao cidadão comum, deixa de protegê-lo de sua própria incúria. É mera coincidência, mas deveria servir de alerta ocorrerem logo após a reunião do clima em Copenhague, de que o Brasil de Lula, Sérgio Cabral, Serra e outros gestores públicos, participou com a conversa mole e a absoluta ausência de atitudes de sempre. Retórica política não salva vidas nem impede mortes.
A reação insensível à tragédia das vítimas dessas enxurradas não é exclusiva de um partido político nem de uma posição ideológica. As queixas de Cabral, do PMDB de Lula, assemelham-se à alienação do prefeito paulistano, Gilberto Kassab, do DEM de Serra. A repetição cíclica do noticiário fúnebre, acompanhado sempre da onda de declarações enfáticas, nunca acompanhadas de políticas eficazes para evitar as ocupações ilícitas de encostas e mananciais e o empoçamento das vias impermeabilizadas de nossas metrópoles, é um achincalhe à inteligência e à sensatez dos cidadãos que elegem seus governantes.