Brasil, uma vergonha lá fora e outra aqui dentro

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José Nêumanne

Dilma exibe vexames de seu governo em Paris e oposição os esconde sem sair de Brasília

Em seis minutos, quando você houver terminado de ler este texto, 12 brasileiros terão perdido o seu emprego: dois a cada minuto. Será difícil achar outro. Quem encontrar dificilmente será com um salário semelhante. Mas isso não é problema para a sempre “extremamente preocupada, estarrecida e muito chateada” da República Dilma Rousseff, que viajou na sexta-feira e está de volta após ter participado da Cúpula do Clima em Paris, para onde Barack Obama só foi no domingo.

Que Deus nos acuda! Nosso clima agora não é favorável – do Oiapoque ao Chuí. A sinistra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, que ficará na Europa duas semanas, na chefia da delegação brasileira nas negociações da mudança climática, informou há 15 dias que o desmatamento na Amazônia aumentou 16% de agosto de 2014 a julho último, longe da meta zero anunciada. Nunca no Brasil governo algum tomou a única atitude para pôr fim ao desmate da floresta tropical: simplesmente proibi-lo. Mas Dilma foi aquém ao cortar 72% das verbas programadas para combatê-lo. Com a Hileia em chamas, diz candidamente Isabella que a defesa do ecossistema não depende só de sua presença aqui. Enquanto isso, ardem reservas florestais no interior da Bahia.

Domingo, Dilma reuniu-se, antes de começar a 21.ª Conferência das Nações Unidas sobre Condições Climáticas (COP-21), com os chefes de governo do Equador e da Noruega. Será que tentou convencê-los a transpor neve dos Andes e água dos fiordes noruegueses para o semiárido? Lá ocorre a maior seca em 50 anos, sem que jamais ela haja visitado a região, nem que fosse apenas para confortar sertanejos morrendo de sede. Os reservatórios de água das grandes cidades nordestinas estão praticamente vazios e a única providência tomada por seu governo foi incluir nos anúncios do Partido dos Trabalhadores (PT) na televisão depoimentos de vítimas da estiagem manifestando sua esperança na transposição do Rio São Francisco, obra faraônica que virou esfinge inconclusa em ruínas.

A presidente só foi ao Vale do Rio Doce uma semana após a tragédia da ruptura da barragem de contenção de rejeitos da mineradora Samarco, um dos maiores desastres ambientais da História. Assim mesmo, manteve a tradição de não pôr o pezinho na lama tóxica. A participação do Brasil na COP-21 foi vergonhosa como a avalanche de mentiras que a candidata à reeleição desencadeou na campanha de 2014. A diferença é que, no ano passado, ela mentiu em português tatibitate, enquanto em Paris balelas como a cobrança de R$ 20 bilhões de multas pelo Ibama tiveram tradução simultânea para muitos idiomas. Os meios de comunicação já se tinham encarregado de contar a verdade em línguas suficientes.

Não dá para levar a sério um governo que nunca tomou nenhuma providência para evitar a trágica imprevidência da mineradora, na qual a União tem relevante participação acionária. E ninguém está disposto a relevar essa falha só porque antes nenhum outro governo também nunca fiscalizou alguém. A tragédia ambiental e humana é de tal monta que qualquer desculpa esfarrapada, a esta altura, deixa de ser cínica para virar um escárnio – tomando emprestada a magnífica metáfora usada pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao votar pela permissão da prisão, pela Polícia Federal, do líder do governo no Senado, Delcídio “do” Amaral (PT-MS).

A onda de lama contaminada que desceu da cidade histórica de Mariana, em Minas, até o mar do Espírito Santo (que não nos valeu!) foi mais do que uma evidência da vergonha que o Brasil passaria em Le Bourget com o descaramento destrambelhado da desabilitada gestora desta República. A tragédia que destruiu vidas, vilas e campos às margens do Rio Doce é também a metáfora mais exata dos vexames que têm paralisado o País com a revelação da roubalheira devassada na Operação Lava Jato.

Preso na véspera o amigo de Lula que tinha licença do ex para entrar em seu gabinete sem ser anunciado, o 25 de novembro entrou para a História com a prisão do líder do governo no Senado, por ter planejado a fuga do ex-diretor internacional da Petrobrás Nestor Cerveró para não ser delatado por ele. O PT abandonou-o em nota alegando que ele não cumpria tarefa partidária, igual desculpa do Palácio do Planalto para evitar se sujar na lama que invadiu seu lago na entrada, onde nem os patinhos nadam em paz.

Delcídio (na etimologia, assassínio de Deus) só podia, então, estar a serviço do Menino Jesus, cujo aniversário se celebrará em menos de um mês e era frequentemente citado em suas pias mensagens em redes sociais. Essa hipótese seria reforçada pela desculpa de que sua decisão de doar R$ 50 mil (sendo seu salário de R$ 33 mil) por mês ao ex-subordinado Cerveró fora por “razões humanitárias”. Só isso talvez merecesse a canonização do ex-diretor da Petrobrás, ex-tucano e concorrente de Irmã Dulce e de Madre Tereza de Calcutá.

Os votos unânimes da 2.ª Turma do STF foram históricos. Mais histórica ainda foi a sessão noturna na qual, entre lamentos e feições soturnas, os senadores abriram a votação (52 a 19) e confirmaram a prisão do colega (59 a 13), contrariando desesperados apelos do presidente Renan Calheiros (PMDB-AL). Como no verso célebre de John Donne, os insignes anciãos (Senado vem do latim senior) sabiam que os sinos da opinião pública não dobravam por Delcídio, mas por todos quantos a ele se associaram na doce ilusão da impunidade, ora em extinção. Tudo sob o silêncio funéreo de opositores que, por falta de inteligência, vergonha ou por rabo de palha, sob a liderança do amigo oculto Aécio Neves (PSDB-MG), se juntaram ao chororô cuspindo para cima sem cuidar da lei da gravidade.

Da última semana de fortes emoções ficou ao menos a esperança de essa lama tóxica da política nos levar ao pleno Estado de Direito, no qual todos são mesmo iguais perante a lei.

Jornalista, poeta e escritor
(Publicado na Pag.A2 do Estado de S. Paulo da quarta-feira 2 de dezembro de 2015)

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