Assim parece se for

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Júlio César era um estrategista genial e um grande escritor, mas, como político, nem se comparava com seu sobrinho Otávio, que poria fim à velha República romana, tornando-se imperador e adotando como título o sobrenome do tio que o antecedera. Se fosse melhor político, não se teria deixado engolfar pela conspiração que o abateria aos pés da estátua do ilustre patrício que derrotara, Pompeu. De qualquer maneira, o conquistador da Gália deu pelo menos um golpe bem-sucedido em matéria de política doméstica. Queria se livrar da mulher Pompéia e se aproveitou dos mexericos de que ela recebia amigos do sexo masculino em casa enquanto ele comandava legiões em territórios inóspitos e longínquos. Dispensou a necessidade de apresentar provas e, como aquele coronel citado na comédia de Juca de Oliveira, mandou o in dúbio pro reo (na dúvida, a favor do réu) às favas junto com os escrúpulos. Decretou: “à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”. A sentença genial ganhou foros institucionais e as democracias decentes a usam para determinar os limites dentro dos quais os gestores republicanos devem agir. Mas na república populista brasileira, toda minúscula mesmo, a regra foi invertida: o rei, a mulher do rei, os irmãos do rei e até os compadres do rei não precisam ser nem parecer. Só têm de negar.
E já que falamos de Roma, continuemos lá, lembrando a frase famosa que Pompeu, o mesmo que César destruiu, usou para concitar seus soldados a subirem nas naus indefesas que precisavam cruzar o Mediterrâneo infestado de piratas para buscar trigo em Cartago, na África, e acabar com a fome em território latino. Num arroubo de retórica, o comandante decretou: “navegar é preciso, viver não é preciso”. Os alunos do infante Dom Henrique na escola de navegação de Sagres a adotaram como lema. Fernando Pessoa citou o lema como epígrafe de Mensagem, o único livro que publicou em vida. Caetano Veloso se apropriou dele num fado. E terminou virando seu autor, para muita gente. De nada adianta, pois hoje na república populista do PT, não é preciso navegar nem viver, basta negar. Negar ainda que seja batom na cueca, como diziam os cafajestes de antanho para salvar casamentos combalidos por noitadas de uísque, sexo e samba-canção. Ou melhor, na nova linguagem republicana nacional, pode-se até negar dólares na cueca. Pois negados são sempre perdoados.
Apesar de dita “velha” a primeira república brasileira é bem mais nova que a romana, certo? Pois. Fiel à truculência disfarçada da manha mineira, ela adotou como lema a estratégia de Artur Bernardes, que consagrou a lei definitiva do coronelismo tupiniquim: “para os amigos, tudo; para os inimigos, o rigor da lei”. Desmoralizada a lei, os neocoronéis do petismo no pudê, com o apoio da malta tucana e “democrata” (com aspas mesmo), modernizaram o dístico, mantendo-o em essência, mas acrescentando um necessário toque de fervor religioso: “e para os militantes da causa operária, indulgências plenas”.
Ainda no Império, os malandros da Lapa já diziam “antes tarde do que nunca” para justificar atrasos e procrastinações, vícios longevos de nossa identidade sociológica e cultural. Já os inconfidentes mineiros clamavam por “liberdade, ainda que tarde”. A retórica lulista juntou o lema libertário com a moral da navalha e da pernada criando o lema definitivo: “nunca antes, ainda que tarde”. Neste nosso Brasil de hoje em dia, vale o teorema de Lavoisier revisto pelo palhaço Chacrinha, o Velho Guerreiro tropicalista do tempo da televisão à lenha, mas também adaptado às novas condições: “nada se cria, tudo se copia, para não ter de pagar direito nem autoral”. E por aí vamos, pois, como dizia o Canhotinha: “quem não gosta de levar vantagem em tudo”, né não? Como diriam o mano Vavá e o compadre Dario (ou seria o Roberto?), assim é se lhe parece. Ou melhor, assim parece se for.

 

© Revista Five, junho-2007

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José Nêumanne Pinto

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