“As bombas e os punhais assinalados”

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Na virada dos anos 50 para os 60 do século passado, havia uma certeza praticamente consensual: Albert Camus, autor de O estrangeiro, texto capital da ficção universal, ponto de partida para a fama, que levaria o autor francês nascido em Oran, na Argélia, a ser o mais jovem Prêmio Nobel da Literatura, passaria para a história como ficcionista, jamais como filósofo. A filosofia consagraria seu companheiro de batepapos, que depois se tornariam discussões ríspidas nos cafés de Saint Germain-des-près, em Paris, Jean Paul Sartre, pai do existencialismo e defensor ardoroso das tiranias comunistas na Rússia sob Josef Stalin e, depois, na China sob Mao Tsé-tung. No entanto, deu-se exatamente o oposto. Embora a ficção de Camus continue encantando leitores de todos os quadrantes e todos os idiomas da Terra, como acertadamente foi previsto, ao contrário do que se dizia no auge da guerra fria entre o Império do Norte e o urso soviético, suas idéias filosóficas é que sobreviveram à glasnost (transparência) russa e à queda do Muro de Berlim. Sartre, que já tivera de abandonar a devoção a Stalin em vida, depois da morte do tirano e da revelação de sua brutal tirania no relatório de Kruschev ao 20º Congresso do PCUS, em 1956, não chegou a acompanhar a dissecação das ditaduras comunistas em vários continentes, notadamente a chinesa na Ásia e a cubana na América Latina. Foi, assim, poupado do desgosto (que, na certa, teria) de ser contestado por uma quase unânime decepção que acometeu a intelligentsia ocidental após a revelação os crimes praticados (entre os quais o genocídio cambojano na ditadura de Pol Pot) em nome do destino revolucionário e socialista da classe operária, com raras e nem sempre honrosas exceções. Se tivesse sobrevivido ao reconhecimento geral de que a ética antiterrorista de Camus é hoje quase condição de sobrevivência num mundo assolado pelos homens-bomba do fundamentalismo islâmico, Sartre só teria o consolo de conservar o que se pensava que seria o legado de Camus: a extraordinária qualidade literária de sua produção de ficção ou semi (aí incluído o magnífico As palavras). Entender o que e como terminou por provocar essa inversão de valores na profecia cumprida pelo avesso é fundamental para qualquer leitor interessado em saber o que, ocupou o plano das idéias no século 20. O professor José Jackson de Carvalho, filósofo rigoroso e exegeta atento, esclarece neste livro as principais chaves da explicação deste conflito conceitual que marcou, de maneira preponderante, os debates filosófico e político no mundo neste último meio século. Seu ensaio rigoroso, mas nem por isso menos agradável de ser lido, também espalha pistas essenciais para descobrir as raízes da genial clarividência do pé preto (argelino de origem européia) que resumiu a história do poder no trajeto da humanidade pela Terra numa frase de sua peça Calígula, recentemente montada novamente em São Paulo: “as facas são as mesmas, só mudam os afiadores”. Hoje é o caso de dizer: as bombas são as mesmas, só mudam os detonadores.

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José Nêumanne Pinto

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