Artigo semanal no Blog: Censura, o único refúgio de Flávio

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José Nêumanne

Juíza do Tribunal de Justiça do Rio proibiu a Globo de divulgar documentos do inquérito do peculato no gabinete do primogênito do presidente na Alerj, em censura comparável à da ditadura militar

A juíza Cristina Serra Feijó, da 33.ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, proibiu a TV Globo de exibir documentos ou peças do inquérito sobre desvio de dinheiro público em proveito particular, corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete do senador Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Atendeu a pedido de liminar dos advogados Rodrigo Roca e Luciana Pires.

A esse respeito o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, divulgou nota em que pontuou: “Qualquer tipo de censura é terminantemente vedada pela Constituição e, além de atentar contra a liberdade de imprensa, cerceia o direito da sociedade de ser livremente informada. Isso é ainda mais grave quando se trata de informações de evidente interesse público. A ANJ espera que a decisão inconstitucional da juíza seja logo revogada pelo próprio Poder Judiciário”. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em nota assinada pelo presidente, Paulo Jerônimo, completou: “Parece estar se tornando praxe no país a censura à imprensa, tal como existia no tempo da ditadura militar e do AI-5”. O protagonista comemorou nas redes sociais, omitindo de forma descarada os delitos de que é acusado e atribuindo crimes aos meios de comunicação que os divulgam por dever de ofício.

O uso de expressões como “extrema imprensa” ou “Globo lixo” por fanáticos do rebanho bolsonarista é a oportuna seara em que o filho que o pai chama de zero um esparrama sementes podres de uma retórica fascistoide, autoritária, truculenta, negacionista, armamentista, anti-imunizatória, terraplanista e criacionista. Nessa safra de ignorância, estupidez e violência, argumento como o de Rech, apesar de inquestionável, de que é o cidadão, e não o meio de comunicação, o beneficiário da livre informação e sua primeira vítima quando esta é tolhida, não encontra eco. Contra essa gentalha, encantada com dedos imitando armas de fogo para esconder a própria covardia, argumentos da lógica e da luz têm parca serventia.

A biografia do rebento do mau militar, indisciplinado e terrorista, convidado a se retirar dos quartéis por ter planejado atentado à bomba na adutora do Guandu, exibe material orgânico ensanguentado. A condição de representante da cidadania fluminense na Alerj autorizou-o, por exemplo, a condecorar o capitão PM Adriano Magalhães da Nóbrega com a Medalha Tiradentes, desonrando o protomártir da Independência e os pobres espoliados e assassinados pela milícia de Rio das Pedras e pela empreiteira de assassínios Escritório do Crime. A favor dele nesse episódio sinistro só se pode dizer que não abandonou o pareceiro quando este foi executado por policiais fluminenses e baianos em Esplanada (BA), ocasião em que denunciou publicamente a covardia do fuzilamento em que seu “herói” foi eliminado.

Desde dezembro de 2018 esse homem público, que deve esclarecimentos à Justiça e aos cidadãos que o sufragaram nas urnas, nunca se dignou dar uma explicação lógica e irrefutável sobre a atividade do subtenente PM Fabrício Queiroz, cujas transações “atípicas” como guarda-livros da famiglia Bolsonaro foram reveladas pelo Conselho de Controle da Atividade Financeira (Coaf) no inquérito aberto pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) para apurar tais crimes.

Em vez de defendê-lo, seu advogado Frederick Wassef conseguiu com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão de todas as investigações sobre delitos financeiros abertas no País, incluindo suspeitas da Receita Federal sobre a contabilidade da esposa do próprio Dias Toffoli e da de seu colega Gilmar Mendes. Seis meses depois, o plenário do STF abortou esse feto monstruoso, mas nada jamais foi justificado. Wassef foi demitido e o pagador de impostos foi informado de que a linha da defesa do senador seria alterada. Nada, contudo, mudou: o filho nota zero de Jair Bolsonaro nunca apresentou uma ínfima informação sobre as acusações dos procuradores estaduais, a que ele responde, de pagar imóveis, mensalidades escolares dos filhos e despesas domésticas com dinheiro vivo, obtido com a devolução de salários de servidores fantasmas, achacados por Queiroz. Tudo o que tem feito é tentar obstruir quaisquer processos e, agora que os documentos das falcatruas são expostos à luz dos holofotes da TV, conseguir na justiça do Estado do qual é o governador ad hoc a censura, que é infame, mas não mais do que a própria biografia.

O senador que boicotou a CPI da Lava Toga vive de esmolas de liminares dadas por maiorais de tribunais que contam com promoções de fim de carreira prometidas pelo zeloso pai dele. E manda o pudor às favas ao defender a abominável tarefa que o procurador-geral da República, Augusto Aras, cumpre ao desmontar todas as operações de combate à corrupção, com as quais a famiglia Bolsonaro em peso se comprometeu jogando no lixo mentiras pregadas na campanha eleitoral para conquistar com elas milhões de votos. Até agora à sombra do poderio paterno e da covardia abjeta dos responsáveis pela salvaguarda do Estado de Direito no Brasil, Flávio Bolsonaro tem prorrogado o desenlace inevitável das denúncias de lavagem de dinheiro na franquia da Kopenhagen e outros graves crimes apenas aparentemente fuleiros, que nunca negou.

Não é possível saber até quando abusará de nossa paciência, como o fizera Catilina, que tanto contrariava Cícero. Mas talvez seja útil lembrar, como avisava minha avó, que não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe. A começar pela sentença absurda da incauta magistrada, que não sobreviverá à morte natural da censura, o único refúgio de Flávio Bolsonaro, e de sua pior rima, a ditadura.

*Jornalista, poeta e escritor

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