Ao comemorar vitória sobre oposição, Marun cantou Tudo está no seu lugar., mas talvez nem tudo esteja
“O deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS), relator da CPI mista da JBS e defensor de primeira hora do presidente Michel Temer, está sendo processado por improbidade administrativa quando era presidente da Agência de Habitação Popular de Mato Grosso do Sul (Agehab). Em denúncia do Ministério Público Estadual, aceita pela Justiça, Marun é acusado, com outros 13 réus, de causar lesão ao erário em valores estimados em R$ 16,6 milhões.”
O parágrafo acima não foi escrito pelo autor deste texto, mas tem as credenciais de qualidade e veracidade do repórter Luiz Maklouf de Carvalho. E o aval, dado em 26 de setembro de 2017 por este Estado mais que centenário, cuja credibilidade foi amealhada mercê de suas lutas contra a escravidão, pela República, pela Constituição em 1932, contra o Estado Novo e contra a ditadura militar, que ajudou a deflagrar. Lá se vão 72 dias desde então e ela pode ser reproduzida praticamente na íntegra. A única substituição a fazer é a do cargo do parlamentar. Nestes primeiros dias da semana ele encerra o serviço que faz para o chefe Temer para desacreditar o trabalho nada defensável de Rodrigo Janot na tentativa de investigar o presidente. Sem, evidentemente, convencer ninguém de que o chefe do governo tem razão em proclamar a própria inocência na conversa que manteve com o réprobo Joesley Batista, da JBS, no porão do Palácio do Jaburu. O encontro só ocorreu por ter este berrado o codinome Rodrigo, prenome do então estafeta de confiança do presidente, que trocaria logo depois o gabinete do Palácio do Planalto pelo próprio lar no qual cumpre prisão domiciliar por haver sido filmado correndo com uma mala na qual foram encontrados R$ 35 mil a menos que os proclamados R$ 500 mil, depois também devolvidos ao dono desconhecido, que nunca surgiu para recolher a bufunfa e depositá-la num banco, sempre depois, como sói acontecer com correntistas normais, de justificar e provar a origem. Trata-se de Rodrigo Rocha Loures, deputado afastado após haver protagonizado a piada pronta: o cenário do vídeo é a Pizzaria Camelo, confirmando o ditado popular de que neste país malfeitos tendem a terminar em pizza.
Concluída a tarefa inglória, o ex-presidente da Agehab de Mato Grosso do Sul dedicar-se-á à outra, talvez mais árdua: articular o eufemismo dos eufemismos, de preferência pronunciado entre mesóclises e apodos, a dita base do governo. Sua missão será garantir os três quintos – 308 dos 513 votos de deputados federais e 47 dos 81 senadores – para aprovar a reforma da Previdência. Ou seja, lá o que for que esta tenha virado depois de devidamente pasteurizada por providências atenuadoras patrocinadas pelo relator Arthur Maia, sob a vigilância do chefe-mor e a débil aprovação de Henrique Meirelles.
O réu por improbidade administrativa vai realizar o sonho de consumo dos colegas que pertencem ao soit-disant Centrão, que, em troca de sua fidelidade canina, farão tudo o que o mestre desejar para minorar no que for possível o enorme sacrifício a ser feito pelo contribuinte para bancar mais uma vez, com a ajuda do alarido da esquerda que perde, mas não desanima, o déficit previdenciário nas contas públicas. Ele comandará o ambicionado gabinete onde se articulam as relações ditas institucionais (nem sempre confessáveis, ainda que se tornem públicas) do Poder Executivo com o Legislativo. Quando a chefia da Casa Civil era ocupada no primeiro governo Lula pelo comissário José Dirceu, o encarregado da tarefa era Valdomiro Diniz, flagrado em vídeo achacando o bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira. Este foi condenado. E Dirceu também, embora goze no momento do privilégio de sambar de tornozeleira na mansão em que se diverte com a mulher e a filha enquanto cumpre pena por furto qualificado. Valdomiro perdeu o poder, o cargo e a fama, mas desliza sorrateiramente pelo anonimato nas quadras de Brasília.
Tendo o cargo recebido nome pomposo e poder real, assumiu-o no governo Temer o amigo do peito do chefe Geddel Vieira Lima. Filho do ex-deputado Afrísio e irmão do deputado Lúcio, o listado como “Carainho” no propinoduto da Odebrecht era chamado de suíno nos bancos da escola de que saiu qualificado de in-su-por-tá-vel por pelo menos um colega célebre, o poeta Renato Russo, aquele do Legião Urbana. Geddel meteu-se em palpos de aranha. Na Secretaria de Governo e amigo do “home”, chamou na chincha o ministro da Cultura, Marcelo Calero, para forçar a liberação pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de certo edifício de luxo que ultrapassava gabaritos e tinha contabilidade pouco ortodoxa na Bahia de Todos os Santos, alguns nem tanto. Calero perdeu o emprego, mas logo Geddel se enredou na própria teia e também dançou. Na cela chorou como um bebê inconformado e foi premiado pela loteria dos habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas logo perderia a liberdade porque a Polícia Federal (PF) atribuiu ao clã Vieira Lima a propriedade de um apartamento que serviu de depósito para R$ 51 milhões em cédulas. Foi preso de novo e as investigações incriminaram a mãe, dona Marluce, e o mano deputado, levando o relator do caso no STF, o ministro Luiz Edson Fachin, a interditar a obra do edifício que, antes de ser construído, derrubou dois ministros. Que obra, hein?
No gabinete do Planalto o amigo-em-chefe instalou outro baiano, o tucano Antônio Imbassahy, formado nas hostes do dr. Antônio Carlos Magalhães e atualmente sob a égide do tucanato de fina plumagem. O chefe de todos recebeu a sugestão de aliados leais do tal Centrão de trocá-lo por alguém mais confiável e correligionário, o deputado de primeiro mandato Carlos Marun, para tornar viável o que até agora parece no mínimo incerto: aprovar a emenda constitucional da reforma da Previdência. O tucano ficou furioso, disse que dali não saía, dali ninguém o tirava e Aécio Neves foi a palácio exigir tratamento digno para os seus. Imbassahy foi, então, mantido até sexta, 8, véspera da convenção do PSDB, na qual o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi feito presidente nacional do partido e seu presumível candidato à Presidência da República em 2018. Mas há quem diga que quem ainda mandava e desmandava era o presidiário, não o ministro.
Carlos Marun não é um anônimo. Ele se destacou como feroz defensor de Eduardo Cunha quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados e também ex-deputado, ainda filiado ao PMDB, seu amigo e protetor, entrou na alça de mira das operações de combate à corrupção. Organizou uma festa de aniversário do “Caranguejo” da Odebrecht com uísque e bolo de chantilly. Foi o único colega a discursar em defesa do mestre e um dos dez minguados votos que ele teve no plenário contra a cassação do mandato. Visitou o padrinho na cadeia, cobrando a passagem do contribuinte. Flagrado em pleno delito bajulando o amigo dileto, devolveu o dinheiro da passagem. E, quando isso aconteceu, já era o homem de confiança do chefe geral. Nessa condição, cantou Tudo está no seu lugar, sucesso de Benito de Paula, a cuja letra original ele acrescentou que a oposição nunca vai ganhar.
Agora, Sua Excelência assume a Secretaria de Governo com a dura responsabilidade de aprovar a reforma. Não vai ser fácil. Qualquer jejuno em matemática, caso do autor destas linhas, é capaz de prever que o Centrão tem força para derrotar qualquer emenda constitucional e, por isso, condição de chantagear. Mas, ao contrário do que os governistas esperam, faltam-lhe votos para aprovar, mesmo por pequena margem. A respeito da acusação, cuja notícia abriu este texto, tudo o que ele teve a dizer a Maklouf foi publicado no segundo parágrafo da reportagem, para sua defesa: “Estou me defendendo, e tenho certeza de que o processo resultará na minha absolvição”. Omitiu, é claro, as evidências que policiais, promotores e juiz possam ter a seu favor, como ele acredita e profetiza piamente.
Resta ainda saber até que ponto ele atenderá à expectativa de convencer 457 parlamentares a se deixarem seduzir por seu estilo truculento, que o colunista da Folha Bernardo de Mello Franco definiu como de “um pitbull no palácio”. Só aí se saberá se, enfim, de fato “tudo está no seu lugar”. Ou nem tudo?
*Jornalista, poeta e escritor
(Publicado no Blog do Nêumanne, Politica, Estadão, na segunda-feira 12 de dezembro de 2017)
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