Antes o palavrão que a falsificação

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Mais relevante que discutir o palavrão no pronunciamento de Lula é saber se seu discurso otimista sobre a crise é, de fato, sincero ou mero jogo de cena
O que será mais grave: o presidente da República usar o palavrão “sifu” num pronunciamento oficial ou sua Secretaria de Imprensa eliminá-lo dos registros públicos, como o fazia o velho Josef Stalin com as fotografias de seus inimigos na iconografia oficial da revolução soviética? Ou, ainda, mais grave que tudo seria, depois, devolver o termo vulgar ao texto reproduzido no site da Presidência com a desculpa de que ele teria sido substituído por “inaudível” na transcrição que viera a público pela falta de familiaridade com o vocábulo das encarregadas de transcrever seu discurso?
É um exagero comparar o zelo do responsável pela divulgação das sentenças de Luiz Inácio Lula da Silva com a censura da ditadura, cujo ridículo grotesco ficou patente na célebre entrevista da atriz Leila Diniz ao jornal O Pasquim, em cuja publicação a terminologia condenada foi substituída por sinais gráficos. Salvo engano, o bissílabo não dicionarizado ao qual Sua Excelência recorreu para dar ênfase à idéia de degradação foi popularizado exatamente pela equipe do jornal alternativo que fez furor por ridicularizar a ditadura militar. A fórmula encontrada para insinuar o que foi dito pela artista de cinema sem ferir o pudonor dos censores, incapazes de perceber que os signos não verbais usados para substituir os palavrões os deixavam claros para os leitores, expôs a debilidade do regime brutal. E com a vantagem de fazer os esbirros de paspalhos.
Habituado a falar da tribuna como se estivesse no palanque e a confundir discurso de campanha com papo de botequim, Sua Excelência pode ter deixado escapar a contração do pronome pessoal reflexo com a primeira sílaba do verbo fescenino mais por desconhecimento semântico que por grosseria. Pouco afeito à precisão léxica, o presidente pode ter usado a gíria quase enigmática (pelo menos para as pessoas não versadas nos códigos das tribos urbanas praieiras do fim do século 20, que já saíram da moda) com ingenuidade similar à das senhoras que não a compreenderam: se elas não sabiam o que ele dizia, ele próprio parecia não sabê-lo.
Pior terá sido se o presidente houver cometido um ato falho, daqueles catalogados por Sigmund Freud em Psicopatologia da vida cotidiana. Pois, então, fica claro que, enquanto prega o otimismo, ele sabe que tem razão o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, a cuja vitória sempre tece loas, de que o que vem aí não é uma recessão, mas uma depressão profunda. Para um dirigente republicano no meio de uma crise econômica global como esta, pior que deixar escapar um vocábulo pouco polido, por falta de conhecimento ou de educação, é empregar recursos retóricos para dourar pílulas indigestas. Melhor a verdade descortês que a gentil falácia.

© Jornal da Tarde, sexta-feira, 12 de dezembro de 2008, p2A

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José Nêumanne Pinto

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