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É um erro imaginar que o ensino correto da norma canônica do português prejudica o brasileiro pobre e iletrado. E um crime não permitir seu acesso à beleza e riqueza da literatura já disponível

 

O ministro da Educação, Fernando Haddad, deu enorme contribuição à discussão aberta recentemente após a aquisição e distribuição por sua pasta do compêndio Por uma vida melhor, de Heloísa Ramos, ao distinguir os dois maiores assassinos do século 20 – Hitler de Stalin – pelo amor à leitura. De acordo com Sua Excelência, o tirano austríaco sacrificava suas vítimas sem antes disso ler suas obras, enquanto o cruel georgiano só mandava executá-los após ler seus livros. É notório o amor do comunista pela leitura e não se tem notícia de que o nazista tenha devotado à mesma prática idêntico apreço, embora se possa afirmar, sem sombra de dúvidas, que o principal responsável pela ascensão do petista a seu posto de destaque não aprecia ler e disso faz praça. Embora seja difícil encontrar qualquer conexão da lógica aristotélica ou tomista entre a devoção bibliófila e a admissão de agressões à língua canônica em manuais escolares financiados pelo poder público, urge constatar que o subconsciente do burocrata com pretensões políticas fê-lo revelar o que inspira a abjeção à gramática no caso em tela.
Não procedem as tentativas de atribuir aos defensores dos cânones gramaticais quaisquer vezos elitistas. O gramático e acadêmico Evanildo Bechara, que os apoiou explicitamente em entrevista nas páginas amarelas da revista Veja, nunca pretendeu com seus argumentos negar a qualquer brasileiro pobre e semiletrado a condição de lusófono. Mais do que elitista a pretensão de usar corriqueiramente na fala um vernáculo canônico seria ridícula.

O mesmo não se pode dizer dos pregadores do populismo linguístico que pretendem misturar alhos com bugalhos submetendo o idioma escrito à língua oral. A língua é um instrumento de comunicação e, portanto, não apenas utilizado, mas também fabricado nas práticas sociais. Se os modos de falar não se alterassem com os tempos e costumes, estaríamos até hoje falando o latim clássico com suas declinações em que o general Júlio César escrevia. Nossa língua são nossas imperfeições.

Quem luta pela adoção de cânones gramaticais nos textos didáticos não o faz por vontade de excluir os iletrados do convívio social, mas, sim, para permitir o acesso dos desvalidos ao rico acervo produzido ao longo de séculos pela língua fundada por Luís de Camões e moldada por Vieira, Pessoa e tantos outros gênios. Os pseudopopulistas que usam argumentos demagógicos para contaminar a norma culta com a fala chula é que são excludentes, de vez que sua ação resultaria em vedar ao semi-alfabetizado as obras já escritas e impressas no português canônico. Como lembrou Haddad, coisa de Hitler e Stalin.
Bastidores Líderes
© Jornal da Tarde, terça-feira, 7 de junho de 2011, p. 2A.

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José Nêumanne Pinto

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