Para Isabel, minha mulher.
José Nêumanne Pinto
Quando fecho os olhos logo cedo,
vejo no escuro da pálpebra cerrada
os olhos verdes de meu amor:
neles brilham um fulgor novo
e um vezo cheio de perguntas.
Ela me cobra se a amo mesmo
e, aí, dou conta de que muito
é este amor imenso feito mar
e minimalista que nem grão
– o milho verde
e o trigo em pó.
Percebo, pois, que o sentimento,
triste como tarde em queda,
é ainda feliz e gaiato.
E também se alegra
se a íris se molha
e a lágrima pinga,
a gota solta pela pele.
São coisas que se apressam
quando muito custam
e, quanto mais correm,
mais tardam a chegar.
De olhos fechados
e pálpebras caídas,
viajo sem destino
num caminho torto
com curvas e ladeiras,
côncavos e recôncavos.
Ele me parece mais claro,
ainda que nada enxergue,
mas logo fica turvo
se tudo se mostra.
Se digo que a desejo,
escapa de meus dedos
e se finge de zangada,
sorrindo e amuada.
Mas, se a digo linda,
fecha-se em copas,
fingindo assim que preferisse
que eu lhe mentisse,
só pra rir de mim
– a doce safada.
Mas fazer o quê?
Se lhe beijo os seios,
me oferece lábios
e, se lhe acarinho o rosto,
me guia a mão pelo dorso.
Meu amor escorrega
como flui no leito,
macia, lisa e plena,
toda manhã esguia
que nos convoca ao dia,
que prepara a noite,
onde fazemos guerra
com gritos e sussurros,
espingardas sem pólvora
e espadas sem fio.
À noite, sim, o amor é feito
de longos silêncios
e palavras desconexas
inventadas ao acaso,
como as sementes
inventam as flores
e o sol fertiliza a terra.
Depois, na paz do sono,
sonhamos que as metades
só se fazem uma
se a maçã nos morde
e a serpente cala.
JOSÉ NÊUMANNE PINTO